Transposição

2018/ 2019

terra e capim

Fundação Marcos Amaro – campo, Mairinque, São Paulo

fotografia: google earth, André Falleiros, Isabella Matheus / Pinacoteca de São Paulo

 

Leia texto de Ricardo Resende

Redesenhando a paisagem.

 

Não existe linha reta no horizonte de Marcia Pastore, apenas  o desejo pela forma seca e rígida que redesenha a paisagem em busca do lugar espiritual do campo, na conjunção do local e do entorno.

 

O processo se dá na experimentação e na vivência do lugar para vislumbrar a forma, a dimensão e as linhas das bordas da sua escultura na paisagem do FAMA Campo.

 

Pastore é a primeira artista a intervir nessa paisagem que conforma o novo museu a céu aberto.

 

A intervenção é percebida na aproximação com o trabalho inserido no meio desse campo em uma relação da coisa plástica com a terra exposta nos seus tons avermelhados e no entorno verde das plantas. Corte, remoção de terra, precisão, contenção, cimento, vergalhões de ferro, pedra moída, terra, terra batida, mãos, modelagem, sedimentação, linhas, volume e acomodação da forma na natureza. Esses são os elementos e as muitas ações que permeiam Transposição. Instalada não à toa no lugar mais estreito de maneira a criar uma relação com as bordas do terreno, ficando evidente o “gesto” da artista de apenas cavar e remover a terra, dando formas geométricas cúbicas, uma convexa e outra côncava.

 

A artista colocou essas formas escultóricas no lugar certo, preciso, depois de cuidadosamente observar a suave queda do terreno, criando uma situação nessa topografia que exige de algum modo a participação do público. É no deslocamento que se descobre a intervenção na paisagem. A contemplação, portanto, depende desse adentrar e dessa caminhada no meio do campo.

 

A escultura sem mudar a topografia é mimetizada no lugar, por ser feita da mesma terra que foi removida durante a transposição. As formas para dentro e para fora, têm as variações tonais dos pigmentos terrosos que conferem visualmente a elas uma textura aveludada. A paredes são feitas de taipa, milenar maneira de construir casas e edificações, problematizando a construção civil ao recuperar essa técnica para formatar as formas cúbicas em uma oposição dos elementos cheio e vazio.

 

O volume cheio e o vazio aparecem e crescem conforme se caminha pelo terreno a pé para se encontrar o embate escultórico desenhado, é esse o desejo da artista.

 

Pastore é daquelas artistas que não desenham sobre uma folha de papel para guardar uma ideia ou para orientar a execução de um projeto. No seu caso, o desenho é mental. Fica no plano das ideias e é materializado no diálogo e nos gestos das mãos que redesenham diretamente no espaço dado, enquanto fala.

 

Pastore não queria uma ação violenta desse gesto plástico, mas apenas uma linha na paisagem para quem a vê no horizonte de dentro ou de fora da sua intervenção escultórica, só  percebida, portanto, por quem anda no meio da paisagem circundante do museu FAMA Campo. É a mulher e a natureza na retidão que confronta as linhas tortas do horizonte. O Feminino e o masculino da escultura seca e rígida de Marcia Pastore encontram-se devolvidos à paisagem a céu aberto.