contracorpo – sala 1

2019

Contracorpo

curadoria Ana Maria Belluzzo

Pinacoteca de São Paulo

23 | 11 | 2019 – 1 | 7 | 2020

fotografia: Marcelo Arruda, Isabella Matheus / Pinacoteca de São Paulo

Leia texto de Ana Maria Belluzzo

Texto originalmente escrito para o catálogo “Marcia Pastore: Contracorpo”, cuja exposição homônima foi apresentada na Estação Pinacoteca de 23 de novembro de 2019 à 01 de junho de 2020. 

 

Marcia Pastore: contracorpo

Ana Maria Belluzzo curadora

 

INTRODUÇÃO

Entre novembro de 2019 e abril de 2020, a Pinacoteca de São Paulo apresenta um recorte da produção de Marcia Pastore, artista paulista em atividade desde fins dos anos 1980, que atua no amplo horizonte aberto para os escultores pelas práticas pós-arte povera e pós-minimal.

A exposição reúne trabalhos recentes, alguns concebidos especialmente para a mostra, e obras realizadas num curso experimental de quase trinta anos, em que ela maneja materiais de procedência diversa e explora procedimentos adotados na construção de coisas que povoam o espaço do mundo.

Suas obras nascem na interseção entre artes e arquitetura que, de acordo com certo entendimento artístico, é o lugar primordial de configuração do espaço. Marcia atua em contraponto à racionalidade construtiva e dá testemunho do percurso a contrapelo dos artistas que deixam de fabricar modelos e passam a dispor de componentes já prontos para produzirem.

Pode-se dizer que o prisma de sua obra é o de alguém que transita entre tempos. Revolve tradições da prática escultórica. Reconceitua técnicas de fabrico. Performa atos para moldar corpos. Atravessa o caminho entre artefato e arquitetura, sendo fortemente atraída pelo vocabulário da engenharia civil.

O conjunto de peças que integram a exposição enfatiza o jogo poético entre forças, corpo e espaço. As obras foram distribuídas na Estação Pinacoteca levando-se em consideração que a experiência artística é um momento sempre presente, e não precisa ser dada a ver em ordem cronológica de aparecimento.

O espectador é convidado a se aproximar de obras, em sua maioria sem título, e perceber o “corpo a corpo” que traduz, em última instância, o embate travado pela arte no mundo de hoje. Pode experimentar a tensão que se manifesta nas práticas adotadas pela artista em contato imediato com o mundo, assim como observar o manejo sensível de materiais brutos, produtos e mecanismos encontrados à disposição.

No cerne de sua obra está a relação existencial com o mundo real, que se encontra dimensionado em hábitos e práticas, materializado no universo construído. Com atenção orientada para aspectos da vida comum, ela imagina e depreende latências de coisas já formadas, postas e dispostas. Está sempre propensa a incorporar procedimentos ordinários, transgredir limites e regras em uso. Chama a atenção dos espectadores o modo de Marcia tocar e revirar a espacialidade do mundo edificado, movida pelo desejo de alcançar arcabouços (esqueletos mais profundos) e profanar dispositivos.

 

COISAS TANGÍVEIS E POÉTICA DOS MATERIAIS

A imaginação artística de Marcia Pastore brota no mundo das coisas tangíveis (aquelas que se podem tocar) em fins de 1980, início de 1990. Desdobra-se em dispositivos espaciais a partir de 2000.

As coisas que Marcia Pastore põe no mundo nascem da lógica dos materiais considerados em suas propriedades físicas. Nos projetos iniciais, a escolha de poucos componentes, dois ou mais, gera uma sintaxe clara, capaz de condensar natureza e potência dos materiais postos em inter-ação. Conjugam-se fisicamente ao mesmo tempo em que se distinguem visualmente. O fundamento desse processo reside sobretudo nas qualidades tácteis, não óticas, ao final, oferecidas à experiência do espectador.

O encontro de componentes materiais dos quais surge o objeto, sem traçado prévio, não passa de simples contato. A artista cuida para que, nessa aproximação, nada contrarie a maleabilidade dos materiais que se integram a partir das próprias forças, de modo a evidenciar sua natureza plástica. Ela propõe articulações vivas, orgânicas e despreza acessórios para fixação. Os procedimentos adotados conduzem ao nascimento de uma poética no interior das peças: poemas de organismos sensíveis num encontro sereno, também num encontro tenso e, até mesmo, a aproximação de forças em conflito…

A subjetividade passada para o interior dos objetos revela Marcia em busca de uma “compreensão subjetiva da matéria e do espaço”, induzida pelos artistas poveros. Marcia pertence a uma geração afetada pela arte povera1.

“[artistas] que estavam preocupados com o ponto em que arte e vida, natureza e cultura se cruzam. Eles tentaram criar uma compreensão subjetiva da matéria e do espaço, permitindo uma experiência da energia “primária” presente em todos os aspectos da vida diretamente
vivida e não mediada por meio de representação, ideologia ou linguagens codi cadas. Essa energia se destinava, por um lado, a corresponder às forças físicas básicas da natureza (como a gravidade ou a eletricidade) e, por outro, a referir-se aos elementos fundamentais da natureza humana (como vitalidade, memória e emoção)”2.

No trabalho de Marcia, o manejo do corpo da obra, em profunda interdependência com o meio no qual se localiza, torna instigante o momento de equilíbrio e sustentação de cada peça no espaço. Favorece a sensação de gravidade dos corpos que encontram leve apoio sobre o solo ou arrimo nas paredes, são obras inseparáveis do mundo que habitam.

Marcia evita individuar obras por meio de estruturação própria, impede que se tornem autoportantes. Elas são levadas a constituir um lugar que, por ironia, Marcia funda sob um “equilíbrio possível”, “precário”, “provisório”. Um outro aspecto da arte povera aparece. O crítico Germano Celant, comentando os trabalhos dos artistas ligados ao movimento, diz:

“Precariedade é o que chama atenção aqui. Seus objetos vivem a partir do momento em que são compostos e montados e não têm existência como objetos imutáveis. Para voltarem a existir, precisam ser recompostos, o que signica que sua existência depende de nossas intervenções e atitudes. Em vez de produtos autônomos, eles são instáveis e vivos em relação a nossas próprias vidas”3.

Afinal, qual é o limite para sustentar o estado das coisas? Como arranjar partes para que resistam, sem se desmanchar, sem explodir, senão com a contingência do apoio ou a eventualidade da “amarração”?

 

MATÉRIA-PRIMA: O JÁ PRONTO DESMANCHE E REMONTE NAS ARTES

Sem ser guiada por uma ordem construtiva exterior a ser assegurada, nem por um significado a ser transmitido, Marcia indaga sobre qualidades intrínsecas dos materiais e sobre forças que atuam na materialização de um corpo. É significativo que o desenho não seja seu ponto de partida, já que não pretende dar forma a uma ideia. Vai diretamente ao encalço de materiais, circula num mundo em que tudo fala, superada uma ordem representativa e hierárquica entre eles. Atravessa a materialidade de um mundo excessivamente coisificado. Reinventa modos de formar abertos ao espaço do observador, extrapolando postulados acadêmicos e fugindo à esfera do objeto.
Cabe, desde logo, perguntar o que a geração de Marcia Pastore considera material de elaboração artística. Ela se situa, precisamente, entre artistas paulistas, pessoas enredadas num cotidiano urbano, cada vez mais afastadas de relações naturais e próximas de uma segunda natureza. É gente que vive num mundo industrializado, cercada pelo “já pronto”, já configurado”.

O pensamento do artista Guto Lacaz sobre a escolha dos materiais pelos artistas contemporâneos e sobre o uso de objetos industrializados como matéria-prima caria registrado na memória de Marcia Pastore. Intitulado “Geladeira ou mármore”, o texto publicado no livro A metrópole e a arte, nos anos 1990, comentava que

“Para alguns artistas contemporâneos, uma geladeira pode exercer o mesmo fascínio que um bloco de mármore, nas mesmas dimensões, exercia para um artista como Michelangelo. Desde o início do século [20], os objetos industrializados têm sido a matéria-prima de muitos artistas”4.

E reparava que diferentes usos dos materiais eram filtrados por artistas dadaístas, surrealistas e artistas da pop-art5. Sugeria que, ao escolher ou ser atraído por um material, “o artista deve descobrir e desvendar mistérios plásticos ocultos em sua aparente familiaridade”. Lacaz é profundo conhecedor do “mundo paralelo criado pelo artista plástico contemporâneo”.

Um dos pontos de partida para a atuação de Marcia é encontrado naquilo que já existe no mundo das coisas sob formatos e determinações externas ao sujeito. Seja uma chapa de ferro cortada em gabarito industrial, seja um per l dobrado em L destinado às esquadrias, sejam cabos de aço com capacidade de transportar cargas. Já não se trata de matéria-prima a ser formada. Marcia parte da forma adquirida por algum componente industrial, disponível em tamanho padronizado para ser aplicado na construção civil. Barras, chapas de metal, borrachas, além de gesso, são facilmente encontráveis em algum comércio de material de construção da rua Florêncio de Abreu, no centro de São Paulo.

Materiais já aplainados pela técnica, dimensionados para aplicação no trabalho da construção que, por certo, ainda entretêm remota correspondência com dimensões humanas fixadas na esfera do trabalho. Tal universo assimilado pelo pensamento plástico de Marcia disponibiliza linhas com a potência do aço, superfícies com qualidades do metal, mobiliza sensações como as provocadas pelo gesso branco pulverizado.

Nem matéria-prima em estado bruto, nem entes estranhos. Os componentes pré-fabricados, facilmente encontrados no comércio urbano, são selecionados pelo formato, por suas qualidades funcionais e particularidades físicas. Objetos que alimentam construções diversas são retirados pela artista de suas habituais cadeias de montagem, desviados de seus conjuntos e trazidos ao fabrico artístico, no qual operam como componente ativo de obras estéticas. Guardam traços ou, melhor dizendo, relações reconhecíveis do mundo da vida.

A atenção da artista voltada para o mundo que cerca o homem contemporâneo e sua particular sensibilidade para auscultar coisas prosaicas têm alcance decisivo, pelo qual distingue formatos e imagina novos trabalhos que desestabilizem o mundo construído. Componentes processados e padronizados pela indústria podem ser achados em formatos e medidas convencionadas de acordo com sua utilidade na construção civil. Em nossa sociedade, são manejados com prazo de validade e também podem ser descobertos nas condições de pós-uso, em terrenos de demolição e ferros-velhos.

As propostas de Marcia acontecem a partir de componentes extraídos de suas séries, transfigurados e reintroduzidos em nova cadeia do mundo, guardando sinais de existência no tempo. Ela opera materiais informados, quase sinais e, tornando-os mais indeterminados, ela os introduz em novo ciclo. Em última análise, o aproveitamento processa-se por desmaterialização assim como pela remodelagem de corpos. E, de maneira geral, seus trabalhos vão oscilar entre familiaridade e estranheza.

Entre componentes adotados, tira proveito expressivo de materiais informes, como o pó de gesso – que atravessa sua obra por longo período; dispensa materiais moldáveis e prefere aqueles passíveis de fundição, como a para na e o breu. Apropria- se, com propriedade, da exibilidade do pano, da elasticidade de uma tira de borracha, da ondulação derivada de uma chapa de metal.

Cada material oferece características únicas para a percepção e interpretação da artista. Sem submeter às mesmas regras morfológicas, os diferentes materiais propiciam o alargamento das formações que merecem atribuição artística. Marcia dá transparência aos gestos, materiais e procedimentos que constituem o vocabulário básico das obras instaladas hoje no espaço do museu.

Ela escolhe materiais sujeitos ao manejo mais simples, atenta a suas propriedades: como se espalham, como são contidos, como resistem, a que se dispõem? Materiais predispostos a ações primordiais de reunir, justapor, empilhar. Focaliza a relação entre partes postas em contato: como se prendem, como escapam. Tateia o limite de equilíbrio da unidade composta, sem precisar fixá-la, como teria ensinado Richard Serra6 em seu castelo de cartas7. Tampouco tem pudor de lançar mão de gestos ostensivos de amarração, valendo-se de arranjos que até poderiam ser considerados quase formatos, advindos de usos e costumes presentes no universo urbano cotidiano.

Pretende tornar visível uma experiência da realidade que pertence ao domínio artístico: o jogo de forças em relação com as formas. Brinca com o equilíbrio das peças que mobiliza com certo humor. Explora dispositivos pelos quais as formas se revelam indissociáveis do espaço ao redor.

Desde fins dos anos 1980 e nos anos 90, a configuração das obras de Marcia brota da natureza dos componentes escolhidos, frequentemente, do diálogo ou confronto entre poucos elementos: realiza arranjos a partir de materiais simples e elementos mínimos. Interessa, sobretudo, avivar suas forças, seja de adesão ou recusa. Prefere processos precisos e a sinceridade dos procedimentos.

O encontro entre dois materiais no espaço expõe movimentos intrínsecos às potencialidades dos materiais, em sintaxe viva. Nas obras que se reduzem ao diálogo entre dois materiais, nada se sobrepõe à animação desse encontro, em que um estrutura o outro. Marcia distingue materiais ativos e passivos, que se aceitam ou se repelem.

O acordo selado pela barra de ferro em U e o gesso, na obra sem título de 1990 [p. 19], mostra materiais que ganham forma ao serem mobilizados enquanto forças estruturantes que se tornam inseparáveis: o metal preenchido pelo gesso e vice-versa, o gesso contido pelo metal.

A ação de um material sobre outro também pode ser vista na alteração dos limites de quadriláteros de ferro, sujeitos ao tempo da atividade de esfriamento da para na, em obra de 1990, assim como na alteração dos quadriláteros empilhados, praticada pelo trabalho de massa asfáltica, do mesmo ano.

O equilíbrio produzido pela articulação viva de materiais tensionados sempre pode afetar a unidade obtida. Se levada ao limite, a contraposição da força dos componentes ativa a tendência à explosão espacial das partes da peça. Pois bem. Marcia assume o risco de ruptura. É o caso da obra feita de rígidas barras de ferro paralelas, entrelaçadas por uma tira de borracha estirada, estabelecendo uma unidade provisória, em apoio precário sobre a parede, de 1990. É sempre interessante observar a linguagem sucinta da escrita espacial de Marcia, adotada também nos modos de arremate e trava das peças encontrados nos próprios materiais.

Uma outra obra disruptiva data do mesmo ano. Nesta, a estabilidade precária de três barras de ferro é obtida a partir da torção de um torniquete elástico para amarrar, o mais firmemente possível, duas barras, sendo acionado pela introdução de uma terceira barra, que é girada. “A peça acumula e retém energia através da tensão estabelecida entre os materiais (…) O procedimento pode ser mais bem percebido como parte do processo dinâmico de energia física, que acumula e retém energia através da tensão estabelecida entre materiais”, diz a artista.

Na verticalidade do espaço entre chão e teto, aparece definido um outro dispositivo articulado em chave tensa. É formado por dois quadriláteros lineares de ferro e borracha, ortogonalmente dispostos um sobre o outro, sustentados pela força de estiramento que atua sobre o eixo invisível que atravessa o pé-direito da sala expositiva. A borracha é esticada e gera tensão entre os dois quadrados.

O encontro físico de dois componentes comporta a sintaxe escultórica, na qual um material existe em relação com outro. É o que acontece no caso em que o gesso é contido pelo metal e, vice-versa, o metal preenchido pelo gesso. Materiais que ganham forma ao se mobilizarem como forças estruturantes e se associarem, tornando-se inseparáveis. Aqui, não cabe a noção de estrutura, mas sim de todo orgânico, um composto de partes que realizam funções diferentes e coordenadas. Além da relação entre componentes, as obras de Marcia completam-se em cada local e, ao tomar corpo no lugar, passam a existir incorporadas em sintaxe ambiental. Seja apoiadas numa parede, seja espalhadas pelo chão.

Nota-se que a maior parte de suas propostas afronta a verticalidade humana, aquela que forjou a estátua ocidental. O que não quer dizer que despreze a estatura. Ao contrário, o tamanho da artista constitui o gabarito de medida dos componentes com os quais opera. Já se disse que o corpo – e não apenas a visão – é central na experiência do espaço. Com base em experimentações praticadas a partir do próprio corpo, Marcia Pastore desafia modos de fazer convencionais e imprime nova orientação ao trabalho. O movimento do corpo é vetor fundamental na descoberta de formas. A experimentação, entendida como meio de troca, explora conexões entre artista e obra, que não se limitam à atuação operacional, mas são condutoras de teor simbólico. Implica o enfrentamento de potencial desconhecido, acumulado pelo homem em longo percurso. Isso para dizer que Marcia injeta incertezas humanas no trato da matéria, tateia o que não sabe e descobre ao fazer. Questão focalizada a seguir.

  1. Arte povera [pobre] é um termo cunhado pelo crítico italiano Germano Celant em 1967.
    Ele abarca o trabalho de alguns artistas como Giovanni Anselmo, Alighiero Boetti, Pier Paolo Calzolari, Giuseppe Penone, Jannis Kounellis, Luciano Fabro, Mario e Marisa Merz, Michelangelo Pistoletto, Gilberto Zorio, entre outros. Trata-se de obras que pretendem resistir a tornar-se mercadoria, priorizam a presença física dos materiais e a relação que estabelecem com o público.
  2. Carolyn Christov- Bakargiev. Arte Povera. Londres: Phaidon, 1999, p. 19. Tradução da autora.
  3. Germano Celant. “Notes for a Guerrilla War”. Flash Art International, no 5, 1967. Tradução da autora.
  4. Guto Lacaz. “Geladeira ou mármore”. In: A metrópole e a arte. São Paulo: Editora Banco Sudameris, 1992.
  5. Não saberia dizer em que medida pode parecer menos inusitado, aos dias de hoje, O encontro fortuito, em uma mesa de dissecação, entre uma máquina de costura e um guarda-chuva”, enunciado inaugural da rebelião surrealista. Nem em que grau convivemos com a presença generalizada dos readymades de Duchamp, o que não quer dizer que tenham sido compreendidos com a devida profundidade. De qualquer forma, o trabalho de Marcia, como de seus pares geracionais, nasce a partir das possibilidades abertas pela montagem surrealista e pelo uso de materiais industrializados na produção artística.
  6. A pesquisa de Marcia Pastore também se vincula àquilo que se convencionou chamar de pós-minimalismo, termo que reúne experiências que partem dos pressupostos minimalistas, mas questionam o rigor das formas geométricas e impessoais, partindo para formas mais abertas. Além de Serra, o trabalho de Marcia pode ser cotejado com os de Eva Hesse e Bruce Nauman, por exemplo. No Brasil, o pós-minimalismo poderia ser associado a pesquisas de artistas como Carlos Fajardo, José Resende, Carmela Gross, entre outros.
  7. Ver a obra One Ton Prop (House of Cards) [Sustentação de uma tonelada (Castelo de cartas)], de 1969, de Richard Serra. A obra é composta por quatro chapas de aço – que medem 122 x 122 cm cada – encostadas umas nas outras de modo a encontrarem um ponto de equilíbrio que as mantém em pé.

 

CORPO EM OBRA

O grau zero do trabalho da Marcia Pastore pode ser encontrado na horizontalidade do mundo. Em partículas de pó de gesso assentadas no solo, que descortinam uma extensão vazia que se convencionou chamar espaço. Espaço entendido como Heidegger formulou

“uma extensão uniforme, da qual nenhum lugar tem características particulares, equivalentes em cada direção e, entretanto, não perceptível mediante os sentidos”1.

Mundo em compasso de espera que aguarda a interveniência humana.

O que significa, para Marcia, “pôr-se em obra”? Dar corpo à forma a partir de si mesma? Ao ensaiar, por via auto figurativa, a impressão de partes do corpo sobre o material, faz despertar uma topologia psicológica, que tem pouco a ver com sua localização no mundo físico. Dirige-se, ali mesmo, a insuspeitados lugares do eu. Âmbito interior, do qual pouco se sabe, propício a criar invólucros e a levar fantasmas a pairar no espaço. Já se disse que

“os homens são seres que participam em espaços dos quais a física nada sabe: da elaboração deste axioma provém uma tipologia psicológica moderna que divide os homens, sem consideração de suas primeiras autolocalizações, por lugares radicalmente diferentes, conscientes e inconscientes, diurnos e noturnos, honrosos e escandalosos, que pertencem ao eu em que outros interiores estabeleceram morada”2.

 

VIVÊNCIA CORPORAL E IMAGINAÇÃO DO ESPAÇO

O corpo em movimento conduz a vivência espacial que Marcia concretiza em relação transitiva com qualidades do mundo material, em que se inscreve o sujeito materializado em obra. A imaginação do espaço e o engenho fermentam o processo de criação artística.

Revela-se, desde logo, o teor performático dos acontecimentos desencadeados a partir do corpo vivo, pelo qual Marcia mobiliza a força física para dar corpo a entes abstratos e armar dispositivos espaciais abertos em campo tridimensional, que já nem cabe chamar “esculturas”.

Marcia tateia incertezas no mundo contemporâneo e se entrega plenamente à realização experimental da obra. Sem antecipar ideias, é o corpo que desenha. Seu movimento é dança e instrumento de cálculo do espaço. Vai descobrindo a obra ao realizá-la. No curso do trabalho experimental, logrou aprofundar uma linguagem aberta entre o corpo e as propriedades do material escolhido, de expressivo teor simbólico, pela qual obras nascem em contato imediato, outras, por extensão no espaço.

Marcia dispensa lápis e papel. É o próprio corpo que desenha pela superfície curva do quadril, pelo volume da perna. Gestos são o motor e o motivo de trabalhos, comprimem diretamente o material flexível e se retiram de cena deixando rastros. Práticas performativas mostram ainda o material a envolver o corpo como pele, num ato mais próximo ao vestir/desvestir. O gesto imediato praticado sobre o material não deixa de ser um procedimento comum, conhecido de longa data pelos produtores desequipados que moldavam telhas nas próprias coxas. Com o tempo, os meios de formar e moldar foram sendo subordinados às técnicas de reproduzir, assimilaram-se  às tradicionais fôrmas de modelagem de forte incidência na história do fazer escultórico. A artista movimenta-se pelo grande arco da produção material.

Além de registros imediatos, os procedimentos da Marcia revelam que os gestos também são pretexto para formas indeterminadas, indecisas que, flutuantes, vão buscar estabilidade em outros suportes e provocam ressonância pelo espaço.

Antes de indagar sobre aspectos mobilizados pelo trabalho de Marcia, deixados à disposição do espectador, é oportuno assinalar o reaparecimento da referência humana em conexão com a obra, um motivo relativamente ausente no debate da arte contemporânea, ainda que presente no universo da arquitetura. E lembrar que a dimensão humana ganha nova inscrição subjetiva, a partir da década de 1960, adquirindo caráter projetivo entre mulheres, no contexto das lutas em torno da consciência e da afirmação da identidade feminina.

A abrangência da questão ultrapassa os limites deste texto. Mas convém frisar que referências humanas presentes em manifestações contemporâneas fogem à idealização e são propostas através do corpo. A autorreferência praticada por artistas contemporâneos é um rico domínio, a ser visto com cuidado, para o qual contribui a abordagem de Marcia. No contexto de um estudo debruçado sobre o trabalho de Marcia, pode-se afirmar que a presença do corpo é um imperativo e aparece associada à “criação de lugar”, expressão aqui entendida enquanto dimensão humana primordial. Arriscaria dizer que Marcia deseja trazer para um mesmo espaço diferentes subjetividades, indicadas tanto por objetos apropriados quanto pela materialidade das instituições sobre as quais interfere3. Em poucas palavras: mesmo que a livre construção da individualidade seja imperativa, nas atuais condições da sociedade de massas, já não se pensa o indivíduo como um ser “não dividido”. O ser em transformação no mundo contemporâneo atualiza o jogo de espelhos na construção da subjetividade. Como, por exemplo, mostram as selfies fotográficas, em que uma pessoa se autorrepresenta num cenário escolhido, visando reconhecimento pelo destinatário da rede social sem corpo.

O tratamento dado por Marcia ao corpo humano é produzido a partir de si mesma e confere um sentido aberto e polivalente às partes do corpo feminino. Ela coloca a experiência corporal em primeiro plano, como meio de atuação direta, sem mediação, instrumento de trabalho e transgressão. O que quer dizer: submete o corpo à tarefa, assume socialmente o manejo do corpo feminino, devasta a intimidade e surpreende o observador pelo aparecimento de posturas corporais inesperadas. Em suma: práticas que se inscrevem na construção do feminino.

A demanda do corpo atende a diversas motivações no mundo de hoje, posto que a humanidade se vê levada, em vários momentos, a recuar para o domínio mais próximo. Seja a operar com mínimos recursos e práticas desequipadas, seja a enfrentar desafios de um ambiente crescentemente mediatizado pela tecnologia, em que o corpo constitui o reduto do sujeito. E muitos artistas contemporâneos têm plena consciência disso.

O corpo, que sempre foi uma instância subentendida, veio a se tornar importante meio expressivo na contemporaneidade, pelo qual artistas rompem convenções, quebram categorias artísticas, apontam novas direções. Como recurso mais próximo do sujeito, ganha novas possibilidades a partir da década de 1960. Antes de ser adotado como medium na performance, na década seguinte, o acontecimento vivo já afetava fortemente a arte. Bastaria evocar atuações de Yves Klein e de artistas poveros. Uma nova-velha ordem de proximidade é pleiteada pelos artistas no momento em que se dispõem a estabelecer contato diretamente pelo corpo. 

 

SINAIS, GESTOS, MOVIMENTOS

Práticas adotadas por Marcia usando diretamente o corpo como instrumento de trabalho constituem uma estratégia orgânica no campo das artes. Diferentemente do trabalho pela linguagem, o trabalho corporal absorve mais profundamente a vida psíquica e engloba fantasias inconscientes, anteriores à linguagem.

Mignon Nixon, em texto no qual analisa o trabalho de artistas como Louise Bourgeois, Rachel Whiteread e Rona Pondick, adota o modelo de subjetividade proposto pela psicanalista Melanie Klein, que diz que

“a vida psíquica é estruturada por fantasias inconscientes impulsionadas por experiências corporais, e essas fantasias, presentes desde a primeira infância, persistem não como estados aos quais o sujeito pode regredir, mas como posições sempre presentes”.

E, mais adiante, afirma:

“Construindo seu modelo de subjetividade em torno da criança e, assim, em relação a uma experiência corporal imediata e fragmentada, não mediada pela linguagem, Klein coloca, no centro de seu modelo, não o inconsciente, mas a fantasia – fantasia entendida não como o trabalho da mente inconsciente, mas como operação corporal. O sujeito kleiniano relaciona-se com o ambiente como um campo de objetos a serem fundidos ou divididos, possuídos ou destruídos, por meio de fantasias de introjeção, projeção e separação, que são produzidas por impulsos corporais”4.

Marcia mobiliza sensações e afetos com base em experiências comuns. Ora, os gestos impressos na matéria e sinais humanos deixados sobre o mundo não permitem esquecer que recursos da impressão constituem uma forma pré-histórica de engendrar formas. Gestos obtidos por contato direto do corpo com o material ecoam técnicas artísticas ancestrais que marcaram o sentido do gravado e do moldado. A experiência corporal incide sobre o trabalho da Marcia por diferentes vias. O corpo propicia desde semelhança por contato até formas imaginadas na extensão dos gestos5.

As experiências por contato tiram proveito expressivo da pressão exercida pelo corpo sobre o material, enquanto se apropriam de medidas do próprio corpo e guardam relações entre suas partes. Marcia se põe em contato consigo mesma, no que toca às partes do corpo que estão ao seu alcance, como se observa nos resultados obtidos. Mas nada a impede de sair do solilóquio e alargar o alcance das obras, contando com outro participante no processo de confecção da forma6.

Privilegia procedimentos por contato direto, motivados por gestos e atos triviais, aos quais vai incorporando acidentes de percurso. Preserva pistas que atuem como indicadores, nas próprias peças, ou ao distribuí- las no espaço expositivo, de acordo com cotas do corpo humano, como acontece no recinto da Pinacoteca.

O corpo convida à imaginação de formas derivadas, que se distanciam do polo mimético e se aproximam do polo abstrato. Por vezes, transportam sinais de origem adquiridos nos esforços praticados. As leves peças de gesso que abraçam o espaço, dependuradas na Biblioteca Monteiro Lobato, têm por assinatura a coluna vertebral

Um amplo repertório formado pela exploração de movimentos do corpo vivo condensa impulsos, gestos e deixa rastros. O potencial de um pequeno gesto praticado por um membro, ou parte do corpo, configura-se como estrutura articulada. Decorrente de articulações do corpo em movimento, a escritura de Marcia é condizente com o uso do movimento e da força corporal para cunhar o material deixando pegadas, passagens, rastros sobre algum suporte.

Impulsos e gestos praticados pelo joelho ou cotovelo, o abraço lançado no espaço à frente do corpo têm mais a dizer sobre o teor afetivo e agressivo impresso por forças motrizes e comunicado ao espectador. O corpo como instrumento ativo não dispensa memória e carga semântica de significantes, sinais e sensações pulsionais experimentadas pela artista e pelo público, independentemente da capacidade de acessá-los.

 

A IMAGINAÇÃO DO ESPAÇO EM LINGUAGEM LIVRE: ALÇAR, TORCER, ARMAR. PENDURAR, AMARRAR

Em 1995–96, Marcia busca alçar suas esculturas do chão. Nessa época, vai desviando da ordenação mais regular dos trabalhos anteriores, e as formas, antes mais geometrizadas, ganham teor expressivo e orgânico. Fato que ocorre ao colocar em prática experimentações corporais para obtenção de moldes.

Na ação do escultor contemporâneo que conduz a forma plástica no espaço, nem volume, nem massa tem primazia. Marcia manipula superfícies no espaço com o intuito de obter formas curvas, fabricando moldes a partir de telas armadas, preenchidas com gesso ou cimento, que aparecem pintadas de branco.

Marcia usa o próprio corpo para se contrapor à regularidade de um suporte plano. Tenta transformá-lo em superfície curva e condicioná-lo a se erguer desde o solo, estudando seu apoio. Algumas dessas obras lembram, sob certo aspecto, os planos levados ao espaço pelos artistas da vanguarda neoconcreta brasileira, só que em versão brutalista. Nas construções da Marcia, o corpo oferece apoio no desenvolvimento da forma aberta. Por tentativas e erros, comanda o cálculo da posição a ser assumida e sustentada pela tela maleável, de modo a configurar a peça como um lugar do qual a artista pode se retirar.

Ocupa-se com o preparo de moldes: atravessa telas planas com vergalhões de ferro para dar maior resistência e torná-las passíveis de deformação, quando submetidas à força do corpo. É, portanto o corpo que induz a continuidade da superfície em relevo orientada no espaço.

A figura sem título da família das brancas foi elevada pelo esforço da coluna vertebral e preserva a relação indicial da geração da forma em sua versão final em cimento armado. A experiência corporal também incide sobre a redefinição de contramoldes de gesso, que constituem procedimentos técnicos tradicionais para tiragem de peças de bronze.

Prescindindo da intermediação de fôrmas de gesso destinadas à técnica de fundição e buscando interferir na linguagem das peças a partir da criação de moldes, Marcia cria novos protótipos para modelagem, entre 1998 e 2000. Entre procedimentos adotados no preparo desses modelos para fundição em bronze, estão as armações de tela engessada e torcida, capazes de competir com a complexa morfologia do corpo humano em movimento. Por meio desse recurso, obtém resultados significativos, que podem ser comparados à linearidade geométrica das barras inclinadas que figuravam em obras anteriores.

São as hastes torcidas e articuladas que ganham espaço apoiadas nas paredes da Valu Oria Galeria de Arte, em 1998, lembrando membros em movimento. Formam o conjunto das pretas, que favorece a distinção da particularidade de cada uma das peças de bronze, animada, em estranha contorção. Cada uma das hastes aparece desdobrada em segmentos articulados, voltados para diferentes direções espaciais. Fazem pensar na torção – de músculos e ossos – que articula o movimento do corpo; assemelham-se à articulação de partes do corpo em movimento em diferentes ângulos de rotação, voltados para diferentes sentidos de orientação.

Procedimentos animados pelo corpo favorecem a criação do repertório espacial das esculturas de Marcia e ampliam, progressivamente, as referências anímicas, subliminares, que estruturam seres vivos e que, aliás, todos conhecemos de sobra, porque nos torcemos, nos surpreendemos em equilíbrio tenso, sentimos exigências do peso, do pouso e da suspensão do corpo. As peças guardam, em geral, semelhanças visuais com segmentos do corpo. Formas moldadas em bronze, assemelhadas a animais, corpos que se espalham apoiados rente ao chão parecem ter cedido à força de compressão da elasticidade dos corpos.

Outros corpos animados tiram proveito da torção das peças, de visível instabilidade, acentuada por frágeis pontos de apoio. Passam a sensação de estar estreitando os limites que garantem o equilíbrio das obras. Não é preciso reiterar que Marcia segue aguçando riscos de sustentação, visando produzir a sensação de que as obras se mantêm em pé por um triz.

Essa tênue sustentação pode ser observada na distribuição dos perfis de bronze adelgaçados, apoiados apenas sobre dois pontos, apesar da espessura instável de uma massa orientada em torção para várias direções. A proeza pode ser vista no bronze pertencente ao Museu de Arte Moderna de São Paulo, obra que integra a família das pretas que foram expostas na mostra realizada no Centro Cultural São Paulo, em 2000. Uma versão mais tardia (2000–2017) encontra-se na coleção da Fundação Marcos Amaro, em Itu.

 

APROXIMAÇÕES E DISTÂNCIAS                                                                                                                                        

O CORPO AUSENTE
RASTROS E VAZIOS                                                                                                                                                     DISFARCES, PISTAS                                                                                                                                                      FRESTAS OU MOLDES

Uma nova-velha ordem de proximidade é pleiteada por artistas no momento em que investigam contatos diretos pelo corpo: corpo que toca e é tocado. A abordagem corporal de Marcia distingue-se da apreensão visível praticada pelos recursos da linguagem visual. Inclui meios de aproximação e expressão táctil que compreendem a percepção dos materiais e sensações de contato.

Desde os primeiros trabalhos em que o corpo se torna componente ativo na formação da obra, Marcia encontra no gesso mais que um recurso operativo. Material de antiga memória, branco, indiferente é, por si mesmo, parte da tradição da escultura moldada. Cedo, ela concentra atenção em suas propriedades e tira proveito desse material passível de aceitar o contato humano direto, proceder à inscrição do sujeito e transportá-la em obra, materializada em moldes.

Marcia mantém, no piso de seu ateliê, uma receptiva cama de gesso em pó, campo horizontal para a experiência corporal. Nele, ensaia marcas e rastros derivados da passagem de um corpo, que só se deixa perceber na matéria inanimada, como algo que já lhe está ausente. É importante frisar essa configuração dinâmica de forças que deixam rastro e alteram uma situação prévia. As partículas de gesso desvelam acontecimentos pela ausência de volume, assim como proporcionam o encobrimento de partes do corpo. A cama de pó de gesso mostra-se maleável a ponto de receber o impulso de um joelho, a ponto de ceder à pressão do tronco. Como dizia Heidegger: “o vazio não é nada. Não é nem mesmo uma falta: ao tornar-se um corpo de escultura, o vazio entra em jogo na maneira de estabelecer lugares que arrisca e planeja abrir”7.

Marcia desenvolve tal experiência a partir de registros fotográficos, que possibilitam o ensaio de posições do corpo na extensão do gesso, a exploração de indícios do corpo impresso na matéria. O corpo vivo convida figuras por contorno, por decalque, por frottage e vai dar lugar às diferentes séries de aproximações visuais feitas entre 2002 e 2012, com notável proveito do enquadramento e do manejo da luz fotográfica. Resulta uma topografia de cheios e vazios, por vezes espelhados, valores positivos e negativos, e deixam latentes tensões existentes entre figura e fundo.

O corpo em movimento, percebido como acontecimento dinâmico, é condutor de outras configurações. Diferentemente das imagens fotográficas, a experiência espacial de Marcia sobre o mundo ao redor não se mostrará tributária da dicotomia entre figura e fundo. Pode-se observar que o espaço ao redor do corpo humano adquire consistência material pelo modelado, quando ela preenche vazios entre partes do próprio corpo, encarna espaços-entre. Corporifica, assim, o que falta, mas também o que “nem se sabe e se interroga”, dando lugar ao surgimento de formas imprevistas. Marcia também maneja o espaço tridimensional a partir de polaridades, requalifica a relação entre o que chamamos figura e fundo, apresentada por meio de um fenômeno bidimensional, como a gravura. Uma convenção inescapável, que nos tira do mundo real – onde a visão se dá a partir de diferentes ângulos – e nos introduz no espaço da representação.

As Frestas compreendem dezenas de pequenas peças fantasmáticas, deduzidas de espaços-entre, moldadas em gesso e resina, pela primeira vez, por volta de 2003–2004. Dão substância aos vazios confinados entre partes do corpo. Revelam o que não se sabe nem se vê. Por exemplo: um vão ocasional remanescente do encontro entre parte do tronco, do braço e da perna. Nesse caso, Marcia se apropria do próprio corpo, tomado como suporte material de um trabalho sobre si mesma, evitando parcializá-lo em recortes conhecidos traçados por outras disciplinas. O corpo torna-se um campo aberto para suspeitadas trilhas alternativas, como faz deduzir o leito de um braço que repousa sobre o tronco de um corpo deitado. O procedimento leva-a a descobrir linhas de força e confluências ocasionais que formam figuras complexas e inusitadas, de difícil projeção, que se oferecem a um jogo de adivinhação.

Como não notar que, na linguagem da artista, moldes conversam com frestas. Moldes confinam, frestas abrem vãos e janelas. Paradoxalmente, as frestas podem se revelar moldes daquilo que não se sabe.

Em sua aparência estranha e ao mesmo tempo familiar, a configuração orgânica de moldes-frestas paira sobre o mundo e fica à espera de ser nele reintroduzida. Na época em que foram concebidas, as peças fundidas em resina motivaram a montagem das fotos intituladas Esculturas vestidas, voltando a ocupar o lugar de origem, recolocadas sobre vãos do próprio corpo da artista. Por via fotográfica, as Frestas retornam ao ninho.

Suporte do pensamento visual da artista, o recurso fotográfico assume papel importante, sendo instrumento de estudo e observação das peças, além de memória. Chama atenção, sobretudo, o uso de cópia fotográfica como meio de reprodução das séries que exploram indícios do corpo sobre o gesso. Por sua vez, a foto é o elo da montagem das Esculturas vestidas, soldando diferentes esferas de realidade, num ensaio narrativo intermídia.

Frestas fundidas em resina acrílica e bronze protagonizam novo ato na mostra da Estação Pinacoteca, em 2019. A transparência das Frestas de resina quase dissolve o volume sólido e ameniza indícios antropomórficos preexistentes. Colocadas sobre a cama de partículas de pó de gesso assentada no piso da Pinacoteca, reencontram, no gesso, a matriz dos contramoldes. Os mesmos volumes produzidos em bronze pendem suspensos, alçados à pequena altura da cama de gesso. Transparências e reflexos revelam-se fenômenos espaciais, predispostos a gerar uma nova saga entre frestas, vãos e moldes. Imantam a dança no espaço. Por outro lado, atadas e manejadas, as Frestas também vão se reproduzindo como peças de um dispositivo maquínico. As Frestas abrem, no mundo, um outro mundo inventado e fabulam sobre entes que povoam o espaço.

Tirando proveito literal da exploração de um tradicional fundamento do trabalho escultórico, o molde, Marcia desdobra relações entre conteúdo e continente, através da série de Esculturas-molde, realizada de 2004 a 2010, sob técnicas diversas. Ela conduz a exploração de contornos corporais para dentro de moldes cúbicos, de modo a entrelaçar dimensões orgânicas e geométricas, configurando formas de sujeição do corpo ao objeto, do humano ao mundo construído. Dissolve convenções espaciais rebatendo contornos corporais sobre faces externas de volumes cúbicos de bronze.

Chamam atenção os resultados que Marcia obtém de configurações geradas pelo contínuo desdobramento de formas e contraformas, engendradas no preparo de matrizes, fôrmas e protótipos. Procura orientá-las em rota de fuga, encaminhá-las em outra direção, para que não prevaleça o sentido de corpo moldado, mas de corpo livre instaurado em espaço ambiental.

Sucessivos desdobramentos formais permeiam grande parte de suas obras. Levam a supor que uma tal familiaridade com relevos e contrarrelevos, superfícies côncavas e convexas, experiências da forma e seu inverso conservem a memória de etapas implícitas ao processo de produção escultórica. Por exemplo: a passagem de um modelo em gesso para a argila, do modelo de argila para uma fonte de bronze, da peça fundida para um espaço-local. Tudo indica que Marcia arranque das entranhas da escultura o fundamento central de um discurso mais amplo sobre o encadeamento processual de operações de produção em geral.

 

 NO ESPAÇO DA PINACOTECA

A experiência corporal está na base do processo primário do trabalho de Marcia, mas as obras só se concretizam como entes espaciais após praticada sua incorporação escultural ao lugar, quer sejam levadas a povoar uma extensão vazia, quer sejam posicionadas entre coisas do mundo. Quando instaladas dentro de outra ordem edificada, passam a habitar coordenadas das salas de exposição e condicionantes institucionais. Dada essa vocação ambiental, interessa focalizar, neste momento, como os índices corporais reaparecem enquanto entes espaciais, na experiência dos fruidores.

Como peças formadas se comportam em relação ao contexto espacial em que são inscritas, quando não são orientadas com vistas à identificação de motivos nem para o reconhecimento das fontes dos volumes? Marcia procura reduzi-las a mínimos indícios que provoquem a empatia e a estranheza do observador. Despista, deixando sugestões antropomórficas levemente presentes, revertidas em sinais de ausência. O vão oco – provocado anteriormente pelo joelho sobre a extensão de pó de gesso – distancia-se do esforço para moldar a forma, é apenas buraco no contínuo de uma superfície. A sensibilidade do fruidor é afetada pela sensação de ausência.

Nada impede que relevos gravados a partir de limites exteriores do corpo, colocados em posição anteversa, tornem-se concavidades e contrarrelevos; nem que as peças modeladas ganhem orientação aleatória no espaço. Como se sabe, mais que o corpo, o cheio, Marcia enfatiza sensações do oco, do esvaziado.

As peças desenvolvidas a partir do corpo e revolvidas no espaço são reorientadas para diferentes ângulos de visão. Submetidas à montagem e integradas em nova ordem dispositiva, prevalece a visibilidade da forma, meramente sugestiva. Dão a ver algo insuspeitado ao autor e espectador. O visitante é um ser em movimento, transeunte convidado a admitir o jogo de posições e compactuar com a reversibilidade das formas.

Partes do corpo insinuadas nas paredes da Pinacoteca tornam-se rastros, em substituição aos volumes deixados pelo corpo humano. A curva de um braço, o volume de uma perna, a reentrância do dorso tornam-se fragmentos que atravessam paredes como resíduos que pairam no mundo das coisas. Aludem ao lado sombrio das ausências.

O que passam a falar os relevos moldados fundidos em bronze, uma vez pintados de branco e introduzidos em continuidade com as paredes da Pinacoteca, numa existência inseparável do tecido edificado? Lacunas sugeridas por fragmentos humanos, quase invisíveis, em contraposição à extensão e continuidade da parede. Recusam-se a se autodefinir em corpo, em forma autoportante. Inscrevem a medida humana na escala do recinto, fazendo livre uso de traços quase irreconhecíveis, de formato inquiridor. Antes de percebermos a escala familiar de contornos derivados do movimento dos membros do corpo, somos principalmente afetados pela sensualidade de proeminências e reentrâncias. As peças datam de 2000, quando foram expostas na Galeria Baró Senna.

Marcia trabalha simultaneamente sobre a irradiação espacial dos volumes banhados de prata, que aderem ao suporte expositivo, assim como subtrai a visibilidade de peças que atravessam o suporte e se desmancham na continuidade branca da parede.

É significativa a escultura de formato irregular que se ergue e sustenta diretamente sobre o piso da mostra. Nasceu do ato de preenchimento do vão entre as pernas da Marcia, delimitado a partir do corpo em pé.

A peça moldada, fundida e pintada de branco mostra-se autoportante e associa-se a um pedestal. É suporte de um corpo ausente. A natural associação sexual é subliminar, está insinuada e permanece secreta.

As peças de gesso que flutuam suspensas no espaço, dependuradas por um fio de náilon, foram expostas pela primeira vez em 2002, na Biblioteca Monteiro Lobato, em São Paulo. Mantêm-se em gravitação fora do piso, oscilantes, mostrando-se ao observador animadas pelo movimento de rotação. Mais uma vez o movimento do corpo está na origem de sua extensão no espaço. Alguns exemplares desse grupo revelam o envolvimento do vazio por uma na pele. O gesto feito para abraçar o vazio diante do corpo motiva a imaginação das leves curvas de gesso que envolvem o corpo como pele, casca, casa ou continente. Reiteram o sentido de ser presente e ausente de sua concha.

  1. Martin Heidegger. L’arte e lo spazio. Tradução: Carlo Argelino. Introdução: Gianni Vattimo. Gênova: Ed il Melangolo, 1984, p. 19. Tradução da autora.
  2. Peter Sloterdijk. Esferas I – Burbujas – Microesferología. Madri: Ediciones Siriuela, 2003, p. 85. Tradução da autora.
  3. Na obra Linhas de força (2018–19), Marcia utiliza cintas de amarração de carga, apropriando-se de um instrumento utilizado na construção civil. Traz, com isso, uma certa imagem do mundo do trabalho para dentro da obra. Já em Osso (2019), ela fura o teto da sala expositiva da Estação Pinacoteca para instalar sua obra acima do forro de gesso, revelando um espaço que permanecia oculto ao público, intervindo nas entranhas institucionais, se quisermos. Tais exemplos serão desenvolvidos mais adiante na parte nal deste texto.
  4. Ver Mignon Nixon. “Bad Enough Mother”. October, vol. 71, feminist issueS (inverno, 1995). Cambridge: The MIT Press, p. 73. Tradução da autora.
  5. Sobre a semelhança por contato no processo escultórico ver Georges Didi-Huberman. “La ressemblance par contact”. Archéologie, Anachronisme et modernité de l’impreinte. Paris: Les Éditions Du Minuit, 2008.
  6. Algumas das obras de Marcia são realizadas tendo como base não só o seu próprio corpo, mas também o de outros colaboradores. É o caso, por exemplo, das fotogra as da Série Azul (2002) e também da família de obras brancas (2002), apresentadas na biblioteca Monteiro Lobato no âmbito do projeto Genius Loci – Espírito do lugar, organizado pelo Centro Maria Antonia.
  7. Heidegger, op. cit., pp. 42–45.

 

Read text by Ana Maria Belluzzo

Text originally written for the catalog “Marcia Pastore: Contracorpo”, whose exhibition of the same name was presented at Estação Pinacoteca from November 23, 2019 to June 1, 2020.

 

Marcia Pastore: Counterbody

Ana Maria Belluzzo curator

 

INTRODUCTION

Between November 2019 and April 2020, the Pinacoteca de São Paulo will present a selection of works by Marcia Pastore, a São-Paulo-born artist who has been active since the late 1980s in the wide horizons which post-Arte Povera and post-minimalist practices have opened up to sculptors.

The exhibition brings together recent works, some of which were specially designed for the show, and other works produced over a long experimental career of more than 30 years, in which Pastore has manipulated all kinds of materials and explored procedures normally employed for building things that inhabit our everyday spaces.

Her works are born in the intersection between art and architecture, which according to a certain artistic understanding is the primal setting for the shaping of space. Marcia’s work contrasts with constructive rationality and bears witness to a journey in the opposite direction to those artists who give up on building models and work from ready-made components in their production.

One can say that her work perspective is that of someone who shifts between time periods. Roots around the traditions of sculptural practice. Reconceptualizes manufacturing techniques. Performs body-molding acts. Bridges the gap between handcraft and architecture, being strongly attracted to the vocabulary of civil engineering.

The ensemble of works that constitute the exhibition emphasizes the poetic interplay between forces, body and space. The works were set up at Estação Pinacoteca taking into account the fact that artistic experience is an ever-present moment and should not necessarily be shown in chronological order.

The spectator is invited to get close to the artworks, most of which are untitled, and to perceive the ‘bodily contact’ that translates, in the last analysis, the struggle of art in today’s world. He or she can feel the tension manifested in the artist’s practices in direct contact with the world, and can also notice the sensitive handling of coarse materials, products and mechanisms found therein.

In the core of Marcia Pastore’s work there is an existential relationship with the real world, the dimensions of which have been set by our habits and practices and which has been materialized in the built environment. Directing her attention at aspects of common life, she pictures and surmises what is implied in things which are already formed, positioned and laid out. She is always inclined to incorporating ordinary procedures and transgressing limits and working rules. Spectators are led to notice the way Marcia touches and reverses the spatiality of the built environment in her desire to reach deeper frameworks (skeletons) and to desecrate mechanisms.

 

TANGIBLE THINGS AND THE POETRY OF MATERIALS

Marcia Pastore’s artistic imagination sprung up in the world of tangible things (things that can be touched) in the late 1980s and early 90s and unfolded into spatial devices from 2000.

The things Marcia Pastore puts in existence are born from the logic of materials considered in their physical properties. In the beginning of her career, the choice of a few (two or more) components generates a clear syntax capable of condensing the nature and potency of the materials brought into inter-action. They are physically joined and, at the same time, visually separated. Such a process is chiefly grounded in the tactile, non-optical qualities of materials, which in the end are made available for the spectator to experience.

The encounter between the material components from which the object arises, with no previous outline, is mere contact and nothing more. The artist watches over the process so that nothing in this convergence goes against the pliability of the materials that get integrated on the basis of their own strengths, so that their plastic nature is brought under the spotlight. She proposes living, organic connections and shuns artificial attaching devices. Her procedures lead to a poetry that is born from inside her pieces: poems produced by sensitive organisms in a serene encounter, in tense confluences or even in a convergence of conflicting forces.

The subjectivity poured into the objects’ interior shows that Marcia, following arte povera in this respect, aims for a ‘subjective understanding of matter and space.’ Marcia belongs to a whole generation that was affected by arte povera1.

“[the artists] were concerned with that point at which art and life, nature and culture, intersect. They attempted to create a subjective understanding of matter and space allowing for an experience of the ‘primary’ energy present in all aspects of life directly and not mediated through representation, ideology or codified languages. This energy was intended, on the one hand, to correspond to the basic physical forces of nature [such as gravity or electricity] and, on the other hand, to refer to the fundamental elements of human nature [such as vitality, memory and emotion]’2.

In Marcia’s work, handling the body of the artwork in profound interdependence with the environment in which it is set gives excitement to each piece’s moment of balance and support in space. It enhances the feeling of gravity of bodies that are lightly supported on the ground or propped up by the walls; these works are inseparable from the world they inhabit.

Marcia avoids individuating works by giving each one its own support framework – she prevents them from becoming self- supporting. They are led to make up a place which, ironically, is established by Marcia under a ‘possible’, ‘precarious’, ‘provisional’ equilibrium. Thus, another aspect of Arte Povera shows up. In commenting the works of artists connected to the movement, art critic Germano Celant says:

‘Precariousness is what calls itself to attention here. His objects live within the moment in which they are composed and assembled and have no existence as immutable objects. To re-exist, they have to be re-composed, which means that their existence depends upon our interventions and behavior. Rather than autonomous products, they are unstable, and alive in relationship with our own lives’3.

After all, what is the limit for sustaining the status quo of things? How to dispose different parts so that they endure without dismantling, without exploding, if one does not avail oneself of an incidental support or a potential ‘fastening’?

 

RAW MATERIAL: READY-MADE OBJECTS DISMANTLING AND
REASSEMBLING IN THE ARTS

Marcia is guided neither by a constructive external order to be confirmed nor by a meaning to be conveyed; instead, she asks questions about the materials’ inherent attributes and about the forces that take part in materializing a body. Significantly, she never starts from a drawing, since she does not intend to give form to an idea. She pursues materials directly and circulates in a world where everything speaks, going beyond their assumed representational and hierarchical order. She crosses over the materiality of a world that has been excessively ‘thingified’ and reinvents ways of shaping that open up to the spectator’s space, extrapolating academic postulates and fleeing the sphere of the object.

One must ask right now what Marcia’s generation sees as materials fit for artistic development. She stands among São Paulo’s artists, people who are enmeshed in an urban routine, increasingly removed from natural relationships and coming ever closer to a second nature. These are people who live in an industrialized world, surrounded by ready-made, pre-configured objects.

Artist Guto Lacaz’s thoughts about the choice of materials by contemporary artists and the use of industrial objects as raw materials was etched into Marcia Pastore’s memory. In ‘Geladeira ou Mármore’ [Refrigerator or Marble], a text published in the book A Metrópole e a Arte (The City and Art) in the 1990s, Lacaz remarked:

‘For some contemporary artists, a refrigerator can be as fascinating as a block of marble with the same dimensions was for an artist such as Michelangelo. Since the beginning of the [20th] century, industrialized objects have served as raw materials for many artists’4.

He also noticed that the several uses given to different materials had been filtered by dadaist, surrealist and pop-art artists.5 He suggested that, in choosing or in being attracted by a certain material, ‘the artist should discover and unveil plastic mysteries which lie hidden under its apparent familiarity.’ Lacaz is deeply acquainted with ‘the parallel world created by contemporary plastic artists.’

One of Marcia’s starting points is found in what already exists in the world of objects that have not been shaped and determined by the artist’s subjectivity – be it an industrial-gauge iron plate, an L-section aluminum profile for window frames or an industry-standard steel cable. These are no longer raw materials which must be shaped. Marcia’s starting point is the form already given to an industrial component, available in a standard size to be used in the construction industry. Bars, metal plates, rubber parts and plaster can easily be found in hardware stores at Florêncio de Abreu Street, in the center of São Paulo.

These materials have already been tamed by technique and dimensioned according to their use in construction; in that way, it is certain that they still bear a remote correspondence with human dimensions established in the work sphere. This universe, which Marcia’s plastic thinking assimilates, provides lines as strong as steel and surfaces with the qualities of metal, and it also triggers sensations similar to those caused by pulverized white plaster.

These are neither crude-state raw materials nor strange entities. Prefabricated components, easily found for sale in the big city, are selected according to their format, their functional qualities and their physical characteristics. Objects that feed several kinds of construction sites are removed by the artist from their usual assembly lines, diverted from their settings and brought into artistic manufacture, in which they operate as active components of esthetical works. They retain traces or, rather, recognizable relations to the world of life.

The artist’s attention, attuned to the world that surrounds contemporary man, and the particular sensitivity she brings to bear on ‘listening’ to prosaic things have a decisive reach by means of which she distinguishes different formats and imagines new works that destabilize the constructed environment. Processed and standardized industrial components can be found in gauges and formats stipulated on the basis of their utility in the construction industry. In our society, they have an expiry date and can also be found in post-use conditions, i.e. in demolition sites and scrap yards.

The starting point for Marcia’s projects are components that are removed from their series and then transfigured and reintroduced in a new world line, retaining the signs of their existence in time. She operates with informed materials, quasi-signs, and, adding to their indetermination, she introduces them in a new cycle. In the last analysis, she uses them by dematerializing and also remodeling their bodies. And, in general, her works oscillate between familiarity and strangeness.

Among the components she adopts, she gives expressive use to shapeless materials, such as plaster powder – which has been present in her work since long ago. She dismisses pliable materials and prefers those that can be cast, such as paraffin or rosin. She makes full and proper use of the flexibility of cloth, the elasticity of a strip of rubber, the corrugated texture of a metal plate.

Each material offers unique features for the artist’s perception and interpretation. Different materials, subject to different morphological rules, ensure the widening of the formations that deserve artistic attribution. Marcia gives transparency to gestures, materials and procedures that constitute the basic vocabulary of the works that have now been installed in the museum space.

She chooses materials that can be handled with utmost simplicity and pays attention to their properties: how do they spread? How can they be contained? How do they resist? What are they suitable for? Materials that are predisposed to the primal actions of gathering, setting side by side, stacking. She focuses on the relationship between the parts which she puts in contact: the way they are secured to one another, the way they slip from one another. She probes the limits of balance of the composite unit with no need to secure it, as Richard Serra6 has taught in his house of cards.7 On the other hand, she is not ashamed to use ostentatious fastenings, drawing upon arrangements that could even be seen as quasi-formats, originating from customs and ways that are present in the everyday urban universe.

Her aim is to make visible an experience of reality that belongs to the artistic domain: the interplay of forces in their relationship with forms. She plays with the balance of the parts which she employs with a certain humor. She explores devices by means of which forms show themselves to be inseparable from the surrounding space.

Ever since the end of the 1980s and throughout the 1990s, the setup of Marcia’s works has originated from the nature of the chosen components and often from a dialogue or confrontation between very few elements: she creates pieces from simple materials and minimal elements. She is mostly interested in giving life to their forces, irrespective of whether these bring the elements together or keep them apart. She prefers precise processes and sincere procedures.

The encounter between two materials in space exposes movements which are inherent to the materials’ potentialities, in a living syntax. In those works which come down to a dialogue between two materials, nothing overrides the liveliness of this encounter in which one material structures the other. Marcia distinguishes between active and passive materials and between those that accept each other and those that repel each other.

The sealed agreement between the U-section steel pro le and the plaster, in an untitled work dating from 1990, shows materials that get their shape in being mobilized as structuring forces that become inseparable: the metal filled in by the plaster, the plaster contained by the metal.

The action of one material on another can also be seen in the shifting contours of iron tetragons subject to the cooling activity of paraffin in a 1990 work, as well as in the change of shape of stacked tetragons due to the presence of an asphalt mix, from the same year.

The balance produced by the living connection between tensioned materials can always affect the achieved unity. When taken to its limit, the opposition between components’ forces can activate the parts’ potential for spatial explosion, and Marcia accepts the risk of disruption. This is what is seen in a 1990 work made from rigid parallel iron bars held together by a taut strip of rubber, establishing a provisional unity that leans precariously against the wall. It is always interesting to observe the concise language of Marcia’s spatial handwriting, which is also adopted in the ways she finishes and secures the pieces found in the materials themselves.

Another disruptive work dates back to the same year. In it, the precarious stability of three iron bars is achieved by twisting a kind of elastic tourniquet that ties two of the bars as firmly as possible; the tourniquet is twisted by the introduction of a third bar. ‘The by means of the tension established between the materials […] The procedure can be best understood as a part of the dynamic process of physical energy, which accumulates and retains energy by means of the tension established between materials,’ says the artist.

In the vertical space between floor and ceiling, another device is articulated in a tense clef. It is formed by two linear tetragons of iron and rubber, orthogonally placed one above the other and supported by the stretching force that acts on the invisible axis that runs from floor to ceiling at the exhibition room. The rubber is stretched and generates tension between both squares.

The physical encounter between two components establishes a sculptural syntax in which one material exists in relation to another. This is what happens when plaster is contained by metal and, conversely, metal is filled in by plaster. The materials acquire their shape when they are mobilized as structuring forces and associate with one another, becoming inseparable. The notion of structure does not apply here; rather, what is applicable is the notion of an organic whole, composed of parts that take on different coordinated functions. Besides the relationship between components, Marcia’s works also complete each other in each place of exhibition and, when they take shape in a certain location, their existence is incorporated into the environmental syntax – whether leaning on a wall or scattered on the ground.

One notices that most of her proposals offend the human verticality which founded the Western statue. This does not mean that one despises stature. On the contrary: the artist’s own height serves as a template for the dimensions of the components she works with. It has been said that the body itself, and not only the sense of sight, is central piece accumulates and retains energy for our experience of space. By means of experimentations carried out on the basis of her own body, Marcia Pastore defies the conventional ‘ways of making’ and gives a new orientation to her work. The body’s movement is a key vector in the discovery of forms. Experimentation, understood as a means of exchange, explores connections between the artist and her work that go beyond her operational agency and become conveyors of a symbolic content. This implies facing an unknown potential accumulated by man in a long journey. In other words, Marcia injects human uncertainties in her handling of matter, gropes what is unknown to her and discovers things in the process of doing.

This is the next question we will focus on.

 

  1. ‘Arte povera’ (poor art) is a term coined by Italian art critic Germano Celant in 1967. It embraces the work of artists such as Giovanni Anselmo, Alighiero Boetti, Pier Paolo Calzolari, Giuseppe Penone, Jannis Kounellis, Luciano Fabro, Mario and Marisa Merz, Michelangelo Pistoletto and Gilberto Zorio, among others. Their works are intended to resist commodi cation; they prioritize the physical presence of materials and the relationship established with the public.
  2. Christov- Bakargiev, Carolyn. Arte Povera. London: Phaidon, 1999, p.19.
    3. Celant, Germano, ‘Notes for a Guerrilla War,’ Flash Art International n. 5, 1967.
  3. LACAZ, Guto. ‘Geladeira ou Mármore,’ in A Métropole e a Arte. Editora Banco Sudameris, 1992.
  4. I don’t know how ‘the chance meeting, in a dissection table, of a sewing machine and an umbrella’ – the inaugural proclamation of the surrealist movement – could seem less unusual today. In the same way, we are used in a great degree to the generalized presence of Duchamp’s ready-mades, which does not mean they have been understood with the depth that is their due. In one way or another, Marcia’s work, as well as that of her generational peers, arises from the possibilities opened up by the surrealist assemblage and by the use of industrialized materials in artistic production. Marcia Pastore’s research is also tied to what has been conventionally called post-minimalism, a term that brings together experiences that start off from
  5. minimalist assumptions but also call into question the strictness of geometrical and impersonal forms, moving on to more open forms. Besides Serra’s, Marcia’s work can be compared with those of Eva Hesse and Bruce Nauman, for instance. In Brazil, post-minimalism can be associated with the researches of artists such as Carlos Fajardo, José Resende and Carmela Gross, among others.
  6. See Richard Serra’s One Ton Prop (House of Cards), 1969. The work is made from four steel plates – each one measuring 122 × 122 cm – leaning on one another in such a way that their own balance keeps them upright.

 

BODY IN WORK

The degree zero for Marcia Pastore’s work can be found in the world’s horizontality, in particles of plaster powder strewn on the ground, looking over an empty expanse that has been conventionally called space. Space is understood as defined by Martin Heidegger1.

‘a uniform expanse in which no place has any differentiating characteristics, all directions are equivalent and which, however, is not perceptible by the senses’

Space is a world in waiting mode, looking forward to human intervention.

For Marcia, what does it mean to ‘get to work’? To embody a form from oneself? Her self- figuration experiments, in which body parts are imprinted onto the material, give rise to a psychological topology that has very little to do with its placement in the physical world. At that very place, she addresses unsuspected corners of the self, its inner premises, of which so little is known and which are prone to creating envelopes and raising ghosts up in the air. It has been said:

‘Humans are beings that participate in spaces unknown to physics: the formulation of this axiom enabled the development of a modern psychological typology that scattered humans without regard for their first self-localizations among radically different places, conscious and unconscious, day-like and nightly, honorable and scandalous, places that belong to the ego and places where inner others have set up camp’2.

 

BODILY EXPERIENCE AND SPATIAL IMAGINATION

The body in movement conducts the spatial experience that Marcia puts in place, in a transitive relationship with qualities of the material world which encompasses the subject materialized in the work. Spatial imagination and ingenuity leaven the process of artistic creation.

The performative tone of the events triggered by her living body is disclosed from the very beginning. With her body, Marcia calls into action the physical strength needed to give body to abstract entities and to set up open spatial devices in a three- dimensional field, devices which should no longer be called ‘sculptures.’

Marcia probes uncertainties in the contemporary world and gives herself over entirely to the work’s experimental achievement. With no anticipatory ideas, her body itself does the drawing. Her movement is a dance and an instrument for measuring out space. She discovers the work in the process of making it.
In the course of her experimental work, she has managed to develop an open language of expressive and symbolic content that stands between the body and the chosen material’s properties. By means of such a language, some works are born through immediate contact, while others develop by spatial extension.

Marcia has no use for pencil and paper. Her own body does the drawing through the curved surface of her hips, the volume of her leg. Gestures constitute the works’ motivation and driving force; they imprint the flexible material directly and then exit the stage, leaving their traces behind. In Marcia’s performative practices, the material also envelops her body as a skin, in an action that comes close to dressing and undressing. The immediate gesture that bears on the material remains an ordinary procedure, familiar to those unequipped menial workers that produced roof tiles by molding them on their thigs. In the course of time, shaping and molding became subordinate to reproductive techniques and were identified with the traditional casting molds that have been so prominent in the history of sculptural production. The artist moves around the great arch of material production.

Besides being immediate records, Marcia’s procedures show that gestures are also excuses for indeterminate, indecisive, fluctuating forms, that seek stability in other supports and trigger resonances throughout space.

Before asking ourselves about the aspects that Marcia’s work puts in action and makes available for the spectator, it is appropriate to note the reappearance of the human reference in connection with the work – a motive that has been relatively absent from the contemporary art debate, although it has been present in the universe of architecture. We should also be reminded that the human dimension comes under a subjective heading from the 1960s onwards, acquiring a projective character among women in the context of struggles related to the consciousness and assertion of female identity.

The question goes well beyond the limits of this text. Nevertheless, it should be highlighted that human references in contemporary artistic manifestations shun idealization and are put forward by means of the body. Self-reference by contemporary artists is a rich domain which should be addressed with care and to which Marcia’s approach contributes. In the context of a study of Marcia’s work, we can say that the presence of the body is an imperative and emerges in association with ‘place creation’, a phrase that should be understood here as a primal human dimension. I would risk saying that Marcia wishes to bring
into one space different subjectivities, indicated both by appropriate objects and by the materiality of the institutions which she interferes with3. In short: even if the free construction of individuality be seen as an imperative, in current mass society the individual is no longer thought of as an ‘undivided’ being. The changeable being in today’s world actualizes an interplay of mirrors in building up its subjectivity. This is revealed by selfies, for instance, in which a person represents him or herself in a chosen scenery so as to be recognized by a bodyless social network.

The treatment Marcia gives to the human body comes from herself and gives an open, multifarious meaning to female body parts. She puts bodily experience under the spotlight as a means of direct unmediated action, an instrument of work and transgression. In other words: she subjects her body to her task, accepts the social handling of the female body, devastates intimacy and surprises the observer by the emergence of unexpected bodily positions. All these practices, in short, are part of the construction of the feminine.

This quest for the body is an answer to many motivations in today’s world, in which humanity is often led to withdraw into the nearest domain – either by functioning with minimal resources or by meeting the challenges of an environment increasingly mediated by technology, in which the body becomes the subject’s stronghold. And many contemporary artists are fully conscious of this.

The body, which had always been taken for granted, has become in our era an important vehicle of expression by means of which artists break conventions, shatter artistic categories and point to new directions. As the subject’s nearest resource, it acquires new potentials from the 1960s on. Before the body was adopted as a performance medium in the 1970s, the living happening had already affected art in a strong way in the previous decade; it suffices to call to mind the events carried out by Yves Klein and the povero artists. An order of proximity, simultaneously old and new, is asserted by the artists in the moment in which they are willing to establish direct contact through the body.

 

SIGNS, GESTURES, MOVEMENTS

The practices adopted by Marcia in which she uses her body directly as an instrument constitute an organic strategy in the domain of the arts. As opposed to language, bodywork delves deeper into psychical life and encompasses unconscious fantasies that predate language itself.

In a text in which she analyses the work of artists such as Louise Bourgeois, Rachel Whiteread and Roma Pondick, Mignon Nixon adopts the model of subjectivity proposed by psychanalyst Melanie Klein, according to which

‘psychic life is structured by unconscious fantasies driven by bodily experiences, and these fantasies, present from early infancy, persist not as states into which the subject may regress, but as ever-present positions.’

Further on, Nixon states:

‘Constructing her model of subjectivity around the infant, and so in relation to an immediate and fragmented bodily experience unmediated by language, Klein places at the center of her model not the unconscious, but fantasy – fantasy understood not as a work of the unconscious mind, but as a bodily operation. The Kleinian subject relates to its environment as a field of objects to be fused or split, possessed or destroyed, by means of fantasies of introjection, projection, and splitting that are produced by bodily drives’4.

Marcia mobilizes feelings and affections on the basis of ordinary experiences. Gestures imprinted on matter and signs of humanity left in the world will not let us forget that imprinting resources have served as form-engendering methods since pre-history. Gestures obtained by direct contact between the body and materials echo ancestral artistic techniques that have defined the very meaning of engraving and molding. Bodily experience bears on Marcia’s work in different ways. The body provides many things, from likeness through contact to imagined forms in the extension of gestures5.

Contact experiences make expressive use of the pressure exerted by the body on a material and take on the dimensions of the body itself and the relations between its different parts. Marcia makes contact with herself by means of the body parts she has within her reach, as can be seen in the results obtained. On the other hand, nothing prevents her from leaving aside the soliloquy and widening the scope of her works by relying on another participant in the form-making process6.

Marcia privileges direct contact procedures motivated by ordinary actions and gestures and incorporating potential accidents. She preserves hints that act as indicators, either on the pieces themselves or, alternatively, placing them out on the exhibition space according to apportionments defined by the human body, as she has done in Pinacoteca.

The body invites us to imagine derived forms that distance themselves from the mimetic and draw closer to the abstract. Sometimes, those forms carry tokens of their origins, imprinted on them by the efforts exerted on their making. The light plaster pieces that embrace space, hanging from the ceiling of Monteiro Lobato Library, have the spine as their signature.

A wide repertoire constituted by exploring the living body’s movements condenses impulses and gestures and leaves traces behind. The potential of a small gesture made with a limb or body part shapes an articulated structure. Springing from the moving body’s conjunctions, Marcia’s handwriting is consistent with the use of movement and muscular force to leave imprints on the material – footprints, signs that someone has passed by, traces on some kind of medium.

Impulses and gestures made by an elbow or a knee, an embrace thrown in space before the body – things such as these have more to say about the affective and aggressive content imprinted by driving forces and communicated to the spectator. The body as an active instrument does not do away with memory and the semantic charge of signifiers, signs and driving feelings experienced by the artist and the public, irrespective of the ability to access them.

 

IMAGINING SPACE IN A FREE LANGUAGE: LIFTING, TWISTING, MOUNTING HANGING, TYING

In 1995–6, Marcia begins to lift her sculptures above the ground. She deviates from the regular ordering that showed up in her earlier work, and her previously geometrized forms gain an expressive and organic content. This occurs when she begins experimenting with her body to make molds.

In the actions of contemporary sculptors who spread plastic forms in space, neither volume nor mass have primacy. Marcia manipulates surfaces in space so as to get curved shapes, making molds from reinforced canvases filled in with plaster or cement, which appear painted in white.

Marcia uses her own body to counter the evenness of a at medium. She tries to change it into a curved surface and to condition it to lift itself off the ground, considering how to prop it up. In a certain aspect, some of those works remind us of the planes lifted up in space by Brazilian neo-concrete avant-garde artists, but in a brutalist version. In Marcia’s constructions, the body supports the development of an open form. By trial and error, it determines the position to be taken and kept by the pliable canvas, see as to set the piece up as a place from which the artist can withdraw herself.

Marcia concerns herself with preparing molds: she pierces at canvases with iron rods to make them more resistant and capable of withstanding deflections when subject to the body’s forces. In this sense, it is the body that induces the continuity of the embossed surface oriented in space.

The untitled figure from the “white” family was lifted up by an effort of the artist’s spine, and in its final reinforced cement version it preserves the indexical relationship of its formal generation. Bodily experience also bears on the redefinition of plaster counter-molds, which have been traditionally used as technical procedures for cast bronze pieces.

Doing away with the mediation of plaster casting molds and seeking to interfere in the language of her pieces by making her own molds, Marcia creates new prototypes for modeling between 1998 and 2000. The techniques adopted for preparing these models for bronze casting include plastered and twisted canvas framing, which can keep up with the complex morphology of the moving human body. This allows Marcia to achieve impressive results which can be contrasted to the geometric linearity of the tilted bars featured in previous works.

These twisted and articulated rods gain space leaning against the walls at Valu Oria Art Gallery in 1998, reminding us of moving limbs. The set of black pieces and invites us to identify the distinguishing features of each animated, strangely contorted bronze piece. Each one of the rods unfolds into articulated segments which open up to different directions in space. They remind us of the torsion of muscles and bones that articulates the body’s movement; they resemble the articulation between different body parts in several angles of rotation and facing diverse directions.

Body-animated procedures bolster the creation of Marcia’s sculptures’ spatial repertoire and progressively expand the subliminal soul references that structure living beings and which, by the way, we all know very well, because we are capable of twisting our own bodies and catch ourselves in postures marked by a tense balance, sensing the requirements of body weight, support and suspension. In general, the relevant pieces bear visual similarity with segments of the body – bronze-cast shapes that resemble animals, bodies scattered near the ground, having seemingly yielded to the compressing forces of bodily elasticity.

Other animated bodies bene t from the pieces’ torsion, their visible instability, which is enhanced by the fragility of the mounting points. The limits that ensure the works’ balance seem to be more and more constricted. It is not necessary to underscore that Marcia continually raises the stakes in propping up her works, with the aim of producing the feeling that the work is barely able to stand upright.

This precarious balance can be observed in the distribution of the lean bronze pro les with no more than two mounting points, in spite of the unstable thickness of a mass which, in its torsions, is oriented in multiple directions. This prowess can be seen in a bronze belonging to the Museu de Arte Moderna de São Paulo, one of the works from the “black” family exhibited in the show, held at Centro Cultural São Paulo in 2000. A later version (2000- 2017) can be found at the Fundação Marcos Amaro collection, in Itu.

 

CLOSE-UPS AND DISTANCES                                                                                                                                               

THE ABSENT BODY
TRACES AND VOIDS DISGUISES, HINTS CREVICES OR MOLDS

A simultaneously old and new order of proximity is claimed by artists when they investigate direct contact with the body: a body that touches and is touched. Marcia’s corporeal approach is distinct from the visual assimilation undertaken by the resources of visual language. It includes means of nearness and tactile expression that comprehend the perception of materials and contact sensations.

Ever since the very first works in which the body becomes an active component in shaping the piece, Marcia has found in plaster more than an operational resource. As an ancient, white, indifferent material, plaster is itself a part of the molded sculpture tradition. She focused her attention on its properties from early on and made use of this material which accepts direct human contact, undergoes the subject’s inscription and conveys it into a work, materializing in the form of a mold.

On the floor of her studio, Marcia always has a receptive layer of powdered plaster, a horizontal field for bodily experience. She rehearses marks and traces derived from the passage of a body, which can only be perceived in inanimate physical matter as something which is already absent from it. It is important to emphasize this dynamic setup of forces that leave traces behind and change a previous situation. Particles of plaster unveil past events by the absence of volume, just as they overlay parts of the body. This plaster powder bed is pliable enough to receive the imprint of a knee and give in to the pressure of a torso. As Heidegger said: ‘Emptiness is nothing. It is not even a lack of something: in becoming a body of sculpture, emptiness comes into play in the way it establishes places it risks and plans to open up’7.

Marcia develops such an experience from photographic records that enable her to rehearse bodily postures on the plaster’s expanse, to explore evidences of the body imprinted in matter. The living body invites figuration through outlining, tracing and frottage and gives rise to the different series of visual close-ups done between 2002 and 2012, with a remarkable use of framing and handling of photographic lighting. The result is a topography of fulnesses and voids, often in mirror images, positive and negative values, while existing tensions between figure and ground loom just under the surface.

The moving body, perceived as a dynamic event, is a conductor for other configurations. Instead of photographic images, Marcia’s spatial experience of the surrounding world pays no tribute to the figure/ground dichotomy. One can see that the space around the human body acquires material consistency through modeling when she fills in the empty spaces between parts of her own body and incarnates between- spaces. In this way, what is missing is corporified, and the same is also true for what ‘is neither known nor asked,’ making way for the appearance of unexpected forms. Marcia also handles the three-dimensional space taking polarities as a starting point, describing anew the relationship between what we call figure and ground, presented by means of a bidimensional phenomenon such as engraving. An inescapable convention that removes us from the real world – where vision functions
from different angles – and brings us into representational space.

The Crevices comprise dozens of small phantasmatic pieces deduced from between-spaces, first cast in plaster and resin around 2003–4. They give substance to the voids confined between body parts. They reveal that which is not known nor seen, such as an occasional void that lingers from an encounter between parts of the trunk, arm and leg. In this case, Marcia appropriates her own body, taken as a material medium for a work done on herself, and avoids dividing it according to the well-known categories set out by other disciplines. The body becomes an open field for suspected alternative trails, such as lead us to deduce the side of an arm resting on the torso of a reclining body. The procedure leads her to discover lines of force and occasional confluences that form complex and unexpected shapes, difficult to project, which offer themselves up as a guessing game.

It is impossible not to notice that, in the artist’s language, molds hold a conversation with crevices. Molds con ne; crevices open up voids and windows. Paradoxically, crevices can reveal themselves as being molds for things we do not know.

In its strangely familiar appearance, the organic setup of molds-crevices hovers above the world and waits for the moment in which it will be reintroduced into it. At the time they were conceived, the resin-cast pieces motivated the Esculturas vestidas [Dressing Up in Sculpture] photoshoot, where they moved back to their place of origin and were placed once again on the voids of the artist’s body. The Crevices were reintroduced in their nests via photographs.

Photography as a resource plays an important part as a medium for the artist’s visual thought; it serves not only a memory aid, but also as an instrument for studying and observing the pieces. Our attention is mainly drawn to the use of photography as means for reproducing the series that explore the body’s traces left on plaster. In turn, the photograph is the shared element in Dressing Up in Sculpture, welding together several spheres of reality in an intermedia narrative essay.

Cast Crevices in acrylic resin and bronze feature in a new act at the exhibition held at Estação Pinacoteca in 2019. The resin Crevices’ transparency almost dissolves the solid volumes and mitigates pre-existent anthropomorphic evidences. Laid upon a plaster powder bedding on the floor of Pinacoteca, they rediscover in plaster the counter-mold’s matrix. The same volumes in bronze hang a short distance above the plaster bedding. Transparences and reflections reveal themselves as spatial phenomena which tend to generate a new saga between crevices, voids and molds. They magnetize dance in space. On the other hand, tied up and handled, the Crevices also reproduce themselves as pieces in a mechanical device. Crevices open up in the world another newly- invented world and create fables about beings that populate space.

Making literal use of a traditional staple of sculptural work – the mold – Marcia unpacks the relations between the content and its container in the Esculturas-molde [Mold-Sculptures] series, done between 2004 and 2010 in mixed media. Her exploration of bodily contours is conducted inside cubic molds so as to intertwine the organic and geometric dimensions, setting up ways by which the body is subordinated to the object and humanity is subordinated to the built environment. She dissolves spatial conventions, rebounding bodily contours on the external surfaces of cubic bronze volumes.

One’s attention is drawn to the results Marcia obtains from setups generated by the continuous unfolding of shapes and counter-shapes engendered in preparing matrixes, molds and prototypes. She tries to guide them in their scaping routes, sending them in another direction so as to downplay the sense of a molded body, prioritizing that of a free body established in an environmental space.

Successive formal unfoldings pervade much of her work. They lead us to assume that such familiarity with reliefs and counter-reliefs, concave and convex surfaces, formal experiences and their opposite, are able to preserve the memory of stages implicit in the process of sculptural production, as, for instance, in the transfer of a wax model to clay, of a clay model to bronze and of the cast piece to a place-space. Everything suggests that Marcia snatches from the entrails of sculpture the central foundation of a broader discourse about the procedural sequence of production operations in general.

 

AT PINACOTECA’S SPACE

Bodily experience is the foundation of the primary process in Marcia’s work, but the works only take concrete form as material entities when they are sculpturally incorporated into a place, whether populating an empty expanse or positioned among the things of the world. Installed inside another constructive order, they inhabit coordinates in both the exhibition room and the institutional conditioning factors. With such an environmental calling, it is interesting to focus on how the indicators of corporality reappear as spatial entities in the user’s experience.

How do formed pieces behave in relation to the spatial context in which they are inscribed if they are not oriented to the identification of motivations nor to the recognition of the origin of volumes? Marcia seeks to reduce them to minimal evidences that provoke empathy and strangeness in the observer. She misleads; her slightly present anthropomorphic suggestions are overturned into signs of absence. The hollow void – caused by the pressure of a knee on the plaster powder expanse – distances itself from the form-shaping effort; it is just a hole in a surface continuum. The user’s sensitivity is affected by the feeling of absence.

Nothing prevents reliefs imprinted by the body’s external contours from being reversed so as to become concavities and counter-reliefs. Also, nothing prevents modeled pieces from having a random orientation in space. As we know, Marcia gives more emphasis to the hollow, that which has been emptied, than to the body, that which is full.

Pieces which have the body as a starting point are turned around in space and reoriented to different angles of vision. Mounted and integrated into a new placement order, what prevails is the visibility of a merely suggestive form. The pieces show something unsuspected both to the author and to the spectator. The visitor is a moving being, a passerby invited to recognize the play of positions and to go along with the reversibility of forms.

Body parts hinted at on Pinacoteca’s walls become traces, tracks which replace the volumes left by the human body. The arm’s curvature, the leg’s volume, the back’s recess become fragments that pierce through walls as residues that hover above the world of objects. They allude to the dark side of all absences.

What is said by the bronze-cast molded reliefs when they are painted in white and set up continuously with Pinacoteca’s walls, inseparable, in their existence, from the fabric of the building? Gaps suggested by human fragments, almost invisible in counterpoint to the extension and continuity of the wall. They refuse to de ne themselves as bodies, as self- supporting forms. They merge the human dimension into the scale of the room, making free use of almost unrecognizable, enquiring strokes. Before perceiving the familiar scale of outlines derived from the movement of the limbs, we are mainly affected by the sensuousness of saliences and recesses. The pieces were made in 2000, when they were exhibited at Baró Senna Gallery.

Marcia operates simultaneously on the spatial effulgence of the silver- plated volumes which adhere to the very medium of the exhibition, and she also subtracts the visibility of pieces that pierce through that medium and dissolve in the white continuity of the walls.

The uneven raised sculpture that rests directly on the exhibition floor is significant. It originated from filling in the space between Marcia’s outstretched legs as she stood up. The molded, cast and white-painted piece is self-supporting and is associated with a pedestal. It is the support of an absent body. The sexual association is natural, but subliminal; it is no more than hinted at and remains a secret.

The plaster pieces that oat suspended in space, hung by nylon threads, were exhibited for the first time in 2002 at Monteiro Lobato Library, São Paulo. They gravitate and oscillate detached from the floor, showing themselves to the spectator as animated by a rotational movement. Once again, the body is the very origin of their extension in space. Some exemplars of this group reveal emptiness enveloped by a very thin skin. The gesture by which emptiness in front of the body is embraced motivates us to imagine the light plaster curves that curl around the body as a skin, a dwelling or a container. They reiterate the sense of being present at and absent from one’s shell.

  1. Heidegger, M. L’arte e lo spazio. Translation: Carlo Argelino. Introduction: Gianni Vattimo. Genova : Ed il Melangolo, 1984, p. 19. (Author’s translation.)
  2. Sloterdijk, Peter. Esferas I – Burbujas – Microesferología. Madrid: Ediciones Siriuela, 2003, p. 85. (Author’s translation.) Sloterdijk, Peter. Spheres I – Bubbles – Microspherology, p. 83.
  3. In Lines of Force (2018–19), Marcia uses cargo belts, availing herself of a civil construction implement. With this, she bring an image of the worker’s world into her piece. In Bone (2019), she pierces the roof
    of the exhibition room at Estação Pinacoteca to set her work up above the plaster ceiling, revealing a space that remained concealed from the public and cutting into institutional entrails, so to say. These examples will be detailed further below.
  4. Nixon, Mignon. ‘Bad Enough Mother,’ in October, Vol. 71, feminist issue (Winter 1995). Cambridge: The MIT Press, p. 73.
  5. For likeness by contact in the sculptural process, please see Didi-Huberman, ‘La ressemblance par contact.’ Archéologie, anachronisme et modernité de l’impreinte. Paris: Les Éditions Du Minuit, 2008.
  6. Some of Marcia’s works are based not only on her own body, but also in that of associates. Such is the case of the Blue Series photographs (2002) and the White family of works (2002) exhibited at Monteiro Lobato Library in the project Genius Loci – The Spirit of Place, held by the Maria Antônia Center.
  7. Heidegger. L’arte e lo spazio. Translation: Carlo Argelino. Introduction: Gianni Vattimo. Genoa: Ed. il Melangolo, 1984, pp. 42–45.