contracorpo – sala 3

2019

Contracorpo

curadoria Ana Maria Belluzzo

Pinacoteca de São Paulo

23 | 11 | 2019 – 1 | 7 | 2020

fotografia: Marcelo Arruda, Isabella Matheus / Pinacoteca de São Paulo

Leia texto de Fernanda Pitta

Texto originalmente escrito para o catálogo “Marcia Pastore: Contracorpo”, cuja exposição homônima foi apresentada na Estação Pinacoteca de 23 de novembro de 2019 à 01 de junho de 2020. 
 

As máquinas do mundo de Marcia Pastore1
Fernanda Pitta

Peso-contrapeso de Marcia Pastore apresenta um complexo mecanismo revelado. O maquinário está à mostra, feito de roldanas, cabos, tubos e pesos, com sua complexidade escancaradamente exposta. As peças tensionam os elementos do espaço, suas verticais, horizontais, os elementos do alto, do baixo, do cheio, do vazio.

Arranjadas em operações sintéticas, por algo que poderíamos chamar de reverberação, roldanas cruzam-se em zigue-zague, cabos de aço prendem-se e são presos por tubos de areia e pesos. Esses elementos simples formam um jogo de forças no espaço, e nele criam tensões ao mesmo tempo em que desenham formas. Projeto e estrutura explicitam-se, reapresentando o que foi desenhado – aquilo que estava em projeto – no momento mesmo de materialização dessas forças e dinâmicas ocultas, mas potencialmente existentes. Nada se esconde à vista do espectador, nem mesmo o pó de mármore que preenche os tubos e faz o equilíbrio das anilhas que suportam as estruturas. Tudo é muito limpo e claro, iluminado e polido.

Contudo, em vez de produzir uma experiência de revelação, a sensação que esse estranho maquinário transmite é a de perplexidade. Não é que o espaço possa ser descrito e desvendado por seus mecanismos. Ao contrário de uma experiência de arquitetura modernista em que pesos, dimensões e outras qualidades materiais do espaço são sempre revelados para o espectador (pensemos no paralelepípedo do MASP), ainda que as dimensões e forças do espaço criado por Pastore estejam ali todas explicitadas, o funcionamento e as finalidades desse espaço-estrutura não são discernidos. Se o espectador do espaço modernista era capaz de conhecê-los e, portanto, dominá-los, aqui ele é incapaz de alcançar essa plenitude. Aí reside o interesse do trabalho.

Os elementos do espaço não são sentidos como distintos e claros, de um ponto de vista uno e indivisível de um suposto sujeito universal. A experiência desses elementos parte de um indiscernimento inicial, que vai formando uma percepção da sensação visual do peso, que se transforma em sensação tátil e, depois, cinética, dado o percurso ao qual o indivíduo se submete e pelos modos como seu corpo se comporta ao longo do transcurso. Ao fim, a máquina está ali completa, desvendada, embora não se produza uma sensação de satisfação, de completude. Experimenta-se a ampliação a uma promessa de plenitude gerada por esse mecanismo no espaço, mas o resultado é inquietante.

Mesmo tendo a plena consciência de como o maquinário à mostra funciona, somos tomados por uma profunda dificuldade de abarcá-lo de todo. Produz-se algo como um ofuscamento daquilo que está diante dos nossos olhos. Um esclarecimento que cega. Em sua completa honestidade, a estrutura evidencia sua complexidade explícita.

O trabalho aparenta-se com certos mecanismos criados por artistas contemporâneos, como Olafur Eliasson ou Anish Kapoor. Mas, diferentemente destes, em que os meandros do funcionamento dos dispositivos muitas vezes são ocultados ou não evidentes, aqui tudo está à vista. O que se experimenta é uma certa sensação de circularidade, de expansão e emperramento dos sentidos.

“Tudo está à vista e não há nada por trás”, assim nos explica Antônio Cicero no poema “A máquina do mundo”, 1949, de Carlos Drummond de Andrade. No antiépico do poeta, todos os mecanismos do universo estão ali revelados e, no entanto, o indivíduo permanece esquivo:

 a máquina do mundo se entreabriu para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta, sem emitir um som que fosse impuro nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção contínua e dolorosa do deserto, e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando quantos sentidos e intuições restavam a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los, (…)

No poema de Drummond, os mecanismos da máquina abrem-se, convidando o poeta a perceber, compreender e sentir:

 O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca se mostrou, mesmo afetando dar-se ou se rendendo, e a cada instante mais se retraindo,
olha, repara, ausculta: essa riqueza sobrante a toda pérola, essa ciência sublime e formidável, mas hermética, essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular, que nem concebes mais,
pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste… vê, contempla, abre teu peito para agasalhá-lo.
 Mas o poeta, não sabemos se perplexo ou cansado, só pode constatar
a “estranha ordem geométrica de tudo”, “o absurdo original e seus enigmas”, “o solene /sentimento de morte, que floresce /no caule da existência mais gloriosa”.
Relutante, sem fé, sem anseio, de face neutra, o poeta rechaça a máquina desvendada:
baixei os olhos, incurioso, lasso, desdenhando colher a coisa oferta que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara sobre a estrada de Minas, pedregosa, e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo, enquanto eu, avaliando o que perdera, seguia vagaroso, de mão pensas.

É como se, sem motivo, sem porquê, o indivíduo se aferrasse à reificação do mundo que ali, diante de seus olhos, se desfaz. Penso que o trabalho de Pastore nos coloca diante da mesma situação, do mesmo dilema, desse “claro enigma”2. O mecanismo está aí, aos nossos olhos plenamente revelado, todos os seus segredos desvendados. Ainda assim, não quebramos a máquina.
 

DO MODELO, MOLDE, RASTRO, RESTO

O filme de Werner Herzog  A caverna dos sonhos esquecidos (Cave of Forgotten Dreams), de 2011, relembrou-nos do fascínio que exercem sobre nós os desenhos feitos pelos “primitivos” – homens e mulheres das cavernas – sobre as paredes ancestrais das grutas de Chauvet, Lascaux, Altamira e tantas outras.

Enigmas interpretados como anotações de acontecimentos vividos ou invocações de desejos a serem realizados, esses desenhos oscilam entre o registro ou o projeto, definindo a intenção de perpetuar, através da imagem, algo sentido com a força da realidade, seja aquela lembrada ou a imaginada.

Essa passagem do real ao figurado traduz-se nesses desenhos numa operação espacial que vai do tridimensional ao bidimensional. Resulta numa síntese, em que os elementos do espaço sentido em três dimensões devem, inicialmente, coadunar-se em duas dimensões, aquelas das superfícies irregulares das cavernas em que são feitas as inscrições.

Não sabemos se a experiência de síntese em duas dimensões foi historicamente anterior ou simultânea àquela da criação de objetos em três dimensões. Seria a ação de moldar formas e criar a partir do inerte um passo adiante, numa suposta evolução do pensamento plástico humano ou simultânea, contemporânea, àquela da representação bidimensional? No que se distinguem e aparentam, enquanto raciocínio formal e simbólico, esses dois processos?

Se a ação de desenhar sobre as paredes parece ter nascido do duplo impulso de registro e imaginação – em que razão e mito mostram-se indissociáveis – seu produto pertence ao plano bidimensional, à realidade que é sua própria, embora em permanente relação com a realidade circundante. A ação de moldar, dar forma, parece ser, muitas vezes, o impulso de criar algo a partir do nada. Pois, embora possa servir-se de um modelo, e obviamente também tornar-se representação, a escultura tende a conferir ao seu produto uma existência real, no mundo, no continuum da vida, não confinada à realidade “projetiva” do plano bidimensional. Cria algo que sai de um grau zero de presença para tornar-se uma coisa, inserindo-se no fluxo do espaço. De alguma maneira, esse seu gesto criador aproxima-se daquele do demiurgo, e não o do simples escriba.

Os Impressores de Marcia Pastore, apresentados na galeria da Caixa Cultural em Fortaleza em 2012, formam o conjunto de trabalhos da artista que se serve do procedimento de impressão de formas do corpo em massas de gesso. Essa linhagem de trabalhos, da qual também fazem parte as esculturas obtidas por moldagem de partes do corpo cotovelos para fora, cotovelos dentro, Esculturas-moldes e também aquelas que preenchem seus vazios, as Frestas, lidam com o limiar desses dois esforços, o de inscrição – incisão –corte-impressão e moldagem.

Em Impressores, a artista literalmente imprimia, em grandes círculos de
massa de gesso, formas do corpo, partes que deixavam sua marca fixando-se num tempo definitivo.

Aquelas impressões chegavam a nós como registros permanentes de alguém ou algo que teve uma existência, mas que só permanece no material ali como um fóssil, do mesmo modo como as moldagens das partes do corpo nos aparecem como vestígios ou cristalizações de coisas que já desapareceram ou que nunca tiveram uma existência material, mas somente espacial, como os vazios.

O processo que todos esses trabalhos utilizam, de fato, assemelha-se a um dos mais comuns tipos de fossilização que acontece na natureza, a moldagem, aquele em que se forma um molde externo às partes duras de um ser vivo na rocha ou sedimento que o envolveu.

A situação expositiva, fundamental nesses trabalhos, ora alude a um momento de diferenciação da matéria – quando as formas do corpo surgem engastadas nas paredes –, ora à situação de registro da descoberta. Quando esses fósseis se apresentam suspensos por cabos e roldanas (como os Impressores, em 2012, e o Linhas de força, que foi produzido para a exposição na Pinacoteca), eles passam a se assemelhar aos moldes tirados em sítios arqueológicos, no caminho para serem recolhidos e estudados. Suspensos no espaço, produzem a sensação de sermos testemunhas de um achado recém- feito, da abertura de uma fenda no tempo, em que os objetos encontrados poderão nos dar a chave para muitos enigmas ainda por desvendar.

Fundidas em bronze, aparecem pintadas de branco ou com banho de prata. Tais peças testam nossa percepção, ao anunciar reentrâncias e saliências e, como os desenhos das cavernas, obrigam-nos a um exercício lento de observação e imaginação para que identifiquemos essas formas, numa oscilação entre a parte e o todo, o detalhe e seu entorno.

Ao percorrê-las dispostas no espaço, à medida que nos acostumamos a fitá-las, aos poucos revelam-se joelhos, cotovelos, pernas, dorsos, partes de um corpo que existiu e deixou seus rastros. Petrificados, esses fragmentos de membros parecem ter sido impregnados e consumidos na matéria para sempre, mas também parecem esperar que nós encontremos esses restos para decifrá-los e devolvê-los à inteireza.

São marcas de coisas que já não estão mais presentes, mas que reclamam uma existência que, finda, exige sua reconstituição. O que era orgânico transformou-se em inorgânico. A simples forma gravada de um corpo que se extinguiu, a efígie decalcada na matéria que o envolveu e roubou-lhe os contornos, mas que não pode capturar seu conteúdo.

As Esculturas-molde, por sua vez, lembram, de alguma forma, um outro processo de fossilização – a mumificação de organismos que se conservam imersos em camadas de resina ou âmbar. O aspecto translúcido, quente e liso da resina cor-de-rosa que envolve o molde de areia faz com que esses objetos se assemelhem a cápsulas que conservam, para sempre, aquilo que está no seu interior, com o custo de que jamais possam nos dar acesso ao que contêm.

Sejam vestígios, sejam marcas, esses objetos nos contaminam com uma sensação dupla, de chamamento e interdição. Mostram-se conservados para nós, exibem-se para nossa contemplação, sem que, entretanto, possamos tocá-los. Pedem para ser reconstituídos, mas estão extintos. A única possibilidade de reintegração seria a de destruir aquilo mesmo que os preserva, ou de recriá-los.

Aqui, voltamos ao segundo esforço de que falávamos inicialmente: o da criação a partir do inerte, o de moldar formas tridimensionais. Seria o caso de, mais uma vez, lançar mão da impetuosidade e dar vida à matéria? Pastore sabe que, hoje, não há espaço para grandes gestos demiurgos: tudo parece já estar aí, ou definitivamente perdido.

O que pode realizar é a repetição de um gesto tênue – ela transfere, de maneira insistente, a forma vazia para o pó de gesso. Refazendo o molde daquilo que não está lá, recriando seu conteúdo, tenta restituir a inteireza da coisa perdida. O que surge desse processo é incompleto, são fragmentos.

Não sabemos se são a promessa, a esperança, ou ainda a lembrança – mais uma vez, voltam a se parecer com as caças nas paredes dos homens das cavernas. São formas imprecisas, frágeis, mutáveis. Podem se esvair com um sopro ou permanecer, para sempre, como fragmentos, ruínas.
 
1 Esse texto é uma edição de uma fala e um texto de apresentação do trabalho de Marcia Pastore. A fala foi realizada na Funarte, em 21 de novembro de 2012, no contexto da exposição Peso-contrapeso, realizada no mesmo local, com curadoria de Nelson Brissac, Prêmio Funarte de Arte Contemporânea. “Modelo, molde, rastro, resto” foi escrito para o fôlder da exposição Impressores, realizada na Caixa Cultural de Fortaleza, também no ano de 2012. Foi o momento em que me aproximei mais do trabalho de Pastore, podendo acompanhar duas exposições que considero emblemáticas de sua prática escultórica, em que espaço e corpo, dois dos materiais centrais na produção da artista, fundem-se na exploração do registro do gesto, do movimento e de suas tensões.
2 Claro enigma é o título do livro de Carlos Drummond de Andrade em que o poema “A máquina do mundo” foi publicado pela primeira vez. [N.E.]
 

Read text by Fernanda Pitta

Text originally written for the catalog “Marcia Pastore: Contracorpo”, whose exhibition of the same name was presented at Estação Pinacoteca from November 23, 2019 to June 1st, 2020.
 
The machines of the world of Marcia Pastore1
 Fernanda Pitta
 
Peso-contrapeso [Weight-Counterweight] by Marcia Pastore presents an exposed and complex mechanism. The machinery, made of pulleys, cables, tubes and weights, is on show, with all its complexity laid wide open. The pieces cause a tension with the elements of the space, in their verticals and horizontals, the high and low elements, the full and the empty.

Arranged in succinct operations, in what we could call reverberations, pulleys zig-zag across each other and steel cables constrain and are constrained by tubes of sand and weights. These simple elements create a game of strengths in the space, where they create tensions and, at the same time, draw shapes. Design and structure are made explicit, re-presenting what was drawn – what was in the design – at the same moment that these dynamic and hidden, though potentially existing, forces are materialized. Nothing is hidden from the spectator’s view, not even the dust from the marble that fills the tubes and balances the washers supporting the structures. Everything is very clean, clear, well-lit and polished.

Yet, rather than creating the experience of something being revealed, this strange machinery transmits, instead, a feeling of perplexity. The space cannot be described or unveiled, understood, by its mechanisms. Unlike an experience of modernist architecture, where weights, dimensions and other material qualities of the space are always made clear to the viewer (thinking here of MASP’s parallelepiped) and, although the spatial dimensions and forces are all explicit in the space that Pastore has created, the function and the objectives of this spatial-structure are indiscernible. If the viewer can understand, and therefore master, a modernist space, here they are unable to reach that totality. Herein lies the interest in the work.

The elements of the space are not distinctly or clearly felt from the unique and indivisible point of view of a supposedly universal subject. The experience of these elements comes from an initial imperceptibility, which forms a visual perception of weight, that transforms into a tactile sensation, and then into a kinetic one, guiding the course that the individual submits to, in the ways that their body behaves throughout that course. At the end of the process, the machine is complete, revealed, even though no sense of satisfaction, or of completeness, is produced. You experience the intensification of a promise of completeness, that is generated by the machine in the space, but the result is one of restlessness.

Although we are fully aware of the workings of the machinery on show, we have a profound difficulty in embracing it as a whole. Something is produced that obscures what is right in front of our eyes. It is a clarification that blinds. In its complete honesty, the structure proves its explicit complexity.

The work bears a certain likeness to mechanisms created by contemporary artists such as Olafur Eliasson and Anish Kapoor. But, unlike in their work, where the intricacies of how the devices work are usually hidden or not made evident, here, everything is there to be seen. What we experience is the sensation of a certain circularity, of an expansion and binding of the senses.

“Everything is in sight and nothing is left behind”, explains Antônio Cicero of Carlos Drummond de Andrade’s 1949 poem A máquina do mundo [The Machine of the World2]. In the poet’s anti-epic, all the mechanisms of the universe are revealed, but
the individual remains elusive:
 
the Machine of the World began to open
for one who’d lost all desire to breach it and mourned for once having wanted to.
Majestic and circumspect it opened, without emitting one impure sound nor more light than could be suffered
by these pupils sore from scanning so much desert, or this mind exhausted from imagining
an entire reality that transcends its selfsame image drawn on the face of mystery, in the depths.
With perfect calm it opened, and bidding whatever senses and intuitions remained to one who’d worn them out
and no longer wished to recover them, (…)
 
In Drummond’s poem, the mechanisms of the machine open, inviting the poet to perceive, to understand and to feel;
 
“What you’ve sought in yourself or outside
your limited self and never been shown, at times being fooled, as if you were close,
even as it drew farther away,
look, take note, listen: that treasure worth more than any pearl, that noble and mighty but hermetic science, that total explanation of life,
that first and singular nexus, which now you can’t even conceive, so elusive
was it while you spent your strength in ardent research … go
ahead, look at it,
open your breast to give it shelter.”
 
But the poet, whether confused or tired, can only find “the strange geometrical order”, “the primordial/ absurdity, its riddles, its truths”, “the solemn / feeling of death, which also thrives / on the stalk of the most sublime existence”.
Reluctant, without faith, without longing, with a neutral face, the poet rejects the unveiled machine:
 
I lowered my eyes, indifferent, tired, scorning the thing that had opened up to give itself to my understanding.
The sternest dark had already settled on the stony road of Minas Gerais,
and the Machine of the World, rejected,
put itself carefully back together while I went on my way, hands
at my sides, weighing what I had lost.

It is as though, without motive, without reason, the individual clings to the rei cation of the world that then crumbles there before their eyes. Consider then that Pastore’s work faces us with this same situation, the same dilemma, this “clear enigma”3. The mechanism is there, clearly revealed in front of our very eyes, all of its secrets unveiled. Yet still, we do not break the machine.

 
OF MODEL, MOULD, TRACE, RESIDUE

Werner Herzog’s film, Cave of Forgotten Dreams (2011), was a reminder of the fascination we have for drawings made by the “primitives” – cave men and women – on the walls of the ancestral caves in Chauvet, Lascaux, Altamira, amongst many others.

Enigmas interpreted as illustrations of real-life events or as invocations of desires to be realized, these drawings oscillate between record and design, defining an intention to perpetuate, through image, something felt with the force of reality, whether that be something remembered or imagined.

This transition from the real to the figurative is translated in these drawings in a process that is spatial, that goes from the three-dimensional to the two-dimensional. This results in a synthesis, where elements in the space felt in three dimensions must, first, fit into two dimensions, those of the irregular cave surfaces onto which the inscriptions are made.

We don’t know whether this experience of two-dimensional synthesis was historically prior or simultaneous to the creation of three-dimensional objects. Is the act of molding forms and creating from the inert one step further along in the assumed evolution of human thinking on visual art, or is it simultaneous, contemporaneous, to that of two-dimensional representations? What is distinguishable and apparent, considering the formal and the symbolic, in these two processes?

If the action of drawing on walls seems to be born from a dual impulse to record and to imagine – where reason and myth are proven to be inseparable – its product is related on a two-dimensional surface, in a reality that is its own, although it remains in permanent relation to the reality that surrounds it. The action of molding, of forming, often seems to come from an impulse to create something from nothing. For, although it can function as a model, and it can clearly also become a representation of something, sculpture tends to give its product a real-world existence, in the continuum of life, that is not confined to the reality “projected” onto the two-dimensional surface. It creates something that goes from having zero presence to becoming a thing, inserting itself into the continuance of space. In some ways, this creative gesture comes close to resembling that of a demiurge, not of the simple scribe.

Marcia Pastore’s Impressores [Printers] presented at the Caixa Cultural gallery in Fortaleza in 2012, make up a set of works by the artist where the process of imprinting body forms into plastering paste is utilized. This group of works, which also includes sculptures made by casting body parts cotovelos para fora [elbow outside], cotovelos dentro [elbow inside], Esculturas-moldes [Mold-Sculpture] and their voids, Frestas [Crevices] deals with the starting point of these two processes, the inscription – incision – impression-cutting, and casting.

In Impressores, the artist literally imprints body shapes into big rounds of plastering paste, parts that leave their mark, fixing themselves into a definite time.

These impressions appear to us as permanent records of someone or something that once existed, but that now remains materially only as a fossil, in the same way that the casts of body parts appear to us as vestiges or crystallizations of things that have already disappeared, or that only ever had a spatial existence, never one that was material, as in the case of the voids.

In fact, the process used in all these works is reminiscent of one of the most common types of natural fossilization, that of casting, in which an external mold is made from the solid parts of a living being, directly within the rock or sediment in which that being was encased.

Their placement within the exhibition, which is fundamental to these works, sometimes alludes to the moment when substances are differentiated– when the shapes of the body emerge embedded in the walls, situated as though records of something discovered. When these fossils are presented, suspended by cables and pulleys (like Impressores in 2012 and Linhas de força [Lines of Force] which was made for the Pinacoteca exhibition), they start to resemble molds taken from archaeological sites, to be collected and studied. Suspended in space, they produce a sense of being witness to a new finding, to the opening of a crack in time, where the objects found could give us the key to many mysteries yet to be solved.

They are cast in bronze and presented painted white, or silver plated. Such pieces test our perception by drawing attention to indents and protrusions and, as in the cave drawings, forcing us to take our time observing, and imagining, to identify the shapes, oscillating between each part and the whole, between the detail and its surroundings.

As we walk through them arranged in the space, as we get used to studying them, they gradually reveal knees, elbows, legs, backs, parts of a body that existed and left its traces. Petrified, it seems these fragments of limbs have been impregnated by this substance, consumed by it forever, but it also seems as though we are expected to find these remains, to decipher them and return them to a wholeness.

They are traces of things that are no longer present, but which assert an existence that, ultimately, demands their reconstitution. What was organic transforms into the inorganic. The simple imprinted form of a body that has been extinguished, its effigy retraced onto the substance that encased it and robbed it of its contours, but that cannot capture its contents.

The Esculturas-moldes, in turn, are in a way reminiscent of another process of fossilization – the mummy cation of organisms preserved by immersion in coatings of resin or amber. The sand mold is encased in a rose-colored resin, whose translucent, warm and smooth qualities give them the semblance of capsules, preserving their contents forever, at the cost of our never being granted access to what they contain.

Whether traces or markings, these objects contaminate us with the dual sensation of being both summoned and forbidden. They are preserved and exhibited for us, for our contemplation, but we cannot touch them. They ask to be reconstituted, but they are extinct. The only way of their being renewed would be to destroy the very thing that preserves them, or to recreate them.

Here we return to the initially discussed second effort. The effort of creation from the inert, of casting three-dimensional shapes. Would it have been a case of making use of impulsiveness once more, of giving life to a substance? Pastore knows that there isn’t room today for big demiurgic gestures: everything, it seems, is already present, or otherwise permanently lost.

What can be achieved is a repeated subtle gesture – she insistently transfers the empty form to the plastering powder. Remaking the mold of what is not there, recreating its content, trying to restore wholeness to a thing that is lost. What emerges from this process is incomplete, they are fragments.

We don’t know if they are promise, hope, or even memory – again, they start to resemble the hunts on the cavemen’s walls. They are imprecise, fragile, changeable forms. With just a breath, they could fade, or they could remain forever as fragments, as ruins.

  1. This text is the publication of a talk and is a presentation of Marcia Pastore’s work. The talk took place at Funarte on 21st November 2012, in
    the context of the exhibition “Peso-Contrapeso”, at the same location and curated by Nelson Brissac, Prêmio Funarte de Arte Contemporânea. “Modelo, molde, rastro, resto” [Of model, mold, trace, residue] was written for the lea et accompanying the exhibition “Impressores”, which took place at the Caixa Cultural in Fortaleza, also in 2012. It was at this time that I became more familiar with Pastore’s work, having the opportunity to accompany two of the exhibitions that I consider as emblematic of her sculptural practice, in which space and the body, two features central to the artist’s production, merge into the exploration of the registering of gestures and of movement and its tensions.
  2. The English version of the poem was taken from: Carlos Drummond de Andrade. In Multitudinous Heart. Farrar, Straus and Giroux. Translated by Richard Zenith. 2015. E-book edition.
  3. [Editor’s note] Claro enigma (Clear Enigma) is the
    title of the book by Carlos Drummond de Andrade in which the poem “A máquina do mundo” [The Machine of the World] was published for the first time.

 
Fernanda Pitta is a senior curator at the Pinacoteca do Estado de São Paulo and a professor of art history at Escola da Cidade, in São Paulo. She holds a PhD in art history from the University of São Paulo, with a thesis entitled “A peaceful and bucolic people? Costume and history in Almeida Júnior’s painting ”. His research interests focus on the discussion of national art paradigms and transnational contexts, also writing on modern and contemporary art. He regularly contributes to academic journals with texts on Brazilian art and art historiography. His exhibition “In the same place: an anthology by Ana Maria Tavares”, held at the Pinacoteca in 2016-2017, received the APCA Best Retrospective Award in 2017. Currently, he is International Awardee from the AAMC and AAMC Foundation International Engagement Program. He was a FAPESP scholar and in the summer of 2017 he was a fellow at the Clark Art Institute. His most recent curatorial projects are “Laercio Redondo: Glance and Artist’s work: image and self-image (1826-1929)”, Pinacoteca (2019). During the month of February 2019, she is a visiting researcher at KMD Bergen, developing an exhibition project by the artist Adrià Julià for next October at the Pinacoteca.