contracorpo – sala 2

2019

Contracorpo

curadoria: Ana Maria Belluzzo

Pinacoteca de São Paulo

23 | 11 | 2019 – 1 | 7 | 2020

fotografia: Marcelo Arruda, Isabella Matheus / Pinacoteca de São Paulo

Leia texto de Ana Maria Belluzzo

Texto originalmente escrito para o catálogo “Marcia Pastore: Contracorpo”, cuja exposição homônima foi apresentada na Estação Pinacoteca de 23 de novembro de 2019 à 01 de junho de 2020. 
 
Marcia Pastore: contracorpo
Ana Maria Belluzzo curadora
 
DISPOSITIVOS ESPACIAIS PROPULSÃO GERADA POR SUCESSIVAS CONTRAPARTES CONTRAFORMAS

Na prática de Marcia Pastore, a instalação atende sobretudo à necessidade de dar existência espacial às obras, que vão sendo gradativamente concebidas e levadas a inaugurar lugares. A distribuição do peso de uma simples haste entre chão e parede já é suficiente para demarcar lugar, como mostra a peça de ferro e ponta de gra te que figurou sem título em uma exposição do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), em 1989. Ela aparece na raiz de outra obra intitulada Risco, composta de uma sequência de hastes de aço que se estende no espaço por modulação horizontal, mostrada na Central Galeria em 2013. Reaparece, em 2019, editada nas condições oferecidas pela sala de exposição da Estação Pinacoteca.

Na experiência de Marcia Pastore, o trânsito do objeto ao espaço arquitetônico aparece assinalado por feitos espaciais de artistas minimalistas, considerando a ida do chão ao teto de um Donald Judd e a distribuição, de parede a parede, de um Carl Andre. Marcia prefere estender obras por modulação horizontal. Robert Morris, que entendia bem do assunto, pensava que a horizontalidade é

[…] “o espaço de que dispõe o corpo”, sendo menos fácil nos movermos no espaço para cima, do que ante nós. Admitia que a horizontalidade constitui o vetor de movimento corporal que encontra menos resistência, que exige o menor esforço. A experiência corporal de movimento humano sem esforço, seu deslocamento. Como correr e andar. Ponderava ser a extensão horizontal, ao mesmo tempo visual e cinestésica, que quando aberta convoca impulsão secular, o começo do mundo, convite realizar”.1

A formação espacial das soluções de Marcia se sobrepõe à imaginação que se traduz em palavras e, em geral, as obras prescindem de título. Tardiamente, ela lança mão de nomes genéricos para indicar as unidades de uma mesma família, nomeadas por procedimentos como: riscos, contra-pesos, impressores. As obras de Marcia Pastore retiram coordenadas particulares do lugar para sua possível organização. A artista evita individualizá-las. Impede que adquiram corpo autoportante e repousem sob equilíbrio próprio, o que se nota desde a década de 1990.

Propostas pensadas e amadurecidas por partes resultam muitas vezes desmontáveis, podendo ser redefinidas a cada edição, em conformidade com o lugar que as recebe. Assumem um teor provisório, transitório e já nascem com tendência para sobreviver se adaptando, aptas à vida transitiva por lugares. Embora tendam, não raro, a uma aparência de inacabamento, são obras revividas a cada edição.

Tal organismo sensível tem capacidade de se transformar e de assumir aspectos variados em sua existência espaço-temporal, ao ser mostrada em diferentes recintos. Ela constrói obras de partes articuladas, muitas vezes a partir de componentes pré-fabricados, predispostos a se adaptar a diferentes espaços expositivos. O uso de componentes pré–fabricados não visa a produção
de múltiplos, como se poderia supor. Ao contrário, dá lugar a exemplares singulares de cada obra. Tal flexibilidade condiz com a transformação do acontecimento a cada edição. Obras desmontáveis, que desaparecem, têm fortes implicações no âmbito de uma mostra como a nossa, que reúne trabalhos de diversas datas.

As obras de Marcia encontram estabilidade provisória no momento de instalação, quando configuradas em dimensão ambiental. Capazes de assumir diferentes posições em campo, sofrem reacomodação e mudanças em âmbito expositivo, reinterpretadas a cada edição. Rosalind Krauss chama a atenção para tais casos em que “pesa mais a necessidade de entrega ao conjunto do que o momento fundante”2.

Não se pode perder de vista a conjugação pela arquitetura dos esforços procedentes da escultura, da pintura e do objeto industrial. Tal conjugação engendrou um longo e consistente capítulo da modernidade histórica, que assume aspectos peculiares, no trajeto construtivo de artistas e de arquitetos brasileiros contemporâneos. Suas obras são bastante conhecidas entre nós e sinalizam o suficiente sobre as árduas condições percorridas entre o artefato e a arquitetura no país. Vejamos então como Marcia vai se deslocar criticamente nesse território, por uma postura irônica.

Dobros , obra de 2010, constitui um divisor de águas no trabalho de Marcia. Seja pela exploração da verticalidade do acontecimento e completa fusão dos componentes na espacialidade arquitetônica, seja pelo crescimento da escala ambiental. A artista distribui seis chapas de aço inoxidável de grandes dimensões, em sequência, pendentes entre teto e piso, que dividem ao meio uma sala do Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro.

Uma vez dependuradas, sendo o comprimento das chapas maior do que o pé direito da sala, as chapas vergam-se, curvando-se junto ao chão. A verticalidade proporciona vedação e o corpo humano fica impedido de atravessar de uma parte a outra. Apenas os vãos deixados pelo abaulamento das placas permitem que o observador descortine o outro pedaço da sala.

Ao mesmo tempo em que impõem a segregação do espaço, os efeitos provocados pelas superfícies curvas espelhadas de aço inoxidável simulam sua ampliação. O espelhamento é um recurso ilusionista que distorce a percepção do espaço vazio em que o visitante se encontra e o recoloca em um universo paralelo, transformável. O espelhamento é meio de reprodução dos componentes em cena: duplica, multiplica e distorce dimensões espaciais. Recombina direções da sala, reflete e transforma a grandeza dos corpos. Marcia multiplica as sensações introduzindo componentes luminosos e sonoros, pelos quais o espaço reverbera por reflexos de luz e a instalação repercute o eco de vibrações sonoras.

A crescente identificação da obra com o lugar aprofunda a exploração dos limites entre sua intervenção e o espaço construído. Marcia encontra soluções expansivas que projetam a obra além dos suportes. Na mesma época, ensaia configurar a “remissão do espaço para dentro da obra”, dando origem a uma peça introvertida, intitulada Espaço dobrado, 2010–2019. Desenvolvida por meio de segmentos articulados de barras de ferro, delineia uma figura que parece não caber no espaço demarcado. A obra atualizada é apresentada na Pinacoteca.

Trata-se de uma obra inédita, concebida em 2010. Embora não tivesse chegado a conhecer a versão final, em preparo para a Pinacoteca até o fechamento deste catálogo, não quero me furtar a algumas considerações. Falo então com base no registro 3D que sugere a elasticidade do espaço configurado pela obra, com potencial interior multiplicado e desfaz a oposição entre interioridade e exterioridade na experiência do participador.
 
O estreitamento do espaço expositivo reservado à obra é pré-requisito, condição para que o desdobramento dessa obra, de hastes articuladas, aconteça em um espaço reduzido, íntimo, dentro de limites definidos. De modo geral, as obras de Marcia atuam sobre limites do espaço institucional, mas a proposta é alusiva ao desenvolvimento da interioridade da obra e a inversão da fronteira interior/exterior.

Eliminada a oposição entre fora e dentro, o espaço dobrado no interior da instalação instaura uma sinergia entre dimensões. Produz imagem compatível com o abandono de padrões racionais de medida e de emergência de uma dimensão ambiental aberta no seu âmago. Interpõe dificuldades para deslocamento físico do transeunte no âmbito da obra.

Os dispositivos espaciais de Marcia Pastore surgem como desafios para os quais se tem que encontrar saída. Peso-contrapeso [pp. 106–109] é o nome da experiência que ocupou a sede da Galeria Funarte de Artes Visuais em São Paulo, em 2009 e 2010, pela qual recebeu o Prêmio Funarte de Arte Contemporânea. O trabalho já acusava notável crescimento de escala da área de atuação e um aumento da complexidade a ser enfrentada sem roteiro prévio. Na presente mostra da Pinacoteca, a obra está sendo reeditada em maior escala.

O sistema de peso e de contrapeso que preside o trabalho se vale de cabos de aço estirados pela sala, passando por uma ou mais roldanas, tensionados em cada uma das extremidades por dois tipos de peso: anilhas de ferro e tubos de latão de mesmo diâmetro, com variáveis de comprimento e de peso a serem ponderadas, preenchidos com pó de mármore. A cada tubo dependurado corresponde uma anilha de ferro de mesmo peso na outra extremidade o cabo de aço.

A nova montagem da obra para a Pinacoteca pede novos cálculos e leva a artista a recalcular as dimensões dos tubos de latão, para pendurá-los de acordo com as forças da estrutura do prédio, seus caibros e suas tesouras. Faz uma prospecção para acessar os elementos estruturais do museu, por meio de recortes no gesso do forro da sala expositiva. Usa roldanas como elementos que potencializam o espaço de três dimensões, contando com dezenas delas penduradas a cintas de lona para, como ela mesma diz, “imantar o espaço e potencializar o uso dos planos arquitetônicos na construção do trabalho”.

A obra ganha corpo na prática, na medida em que Marcia cruza aleatoriamente o espaço, baseada na resistência dos componentes e na direção dos vetores. A performance praticada é a armação dessa engrenagem e a vivência tridimensional do espaço a ser preenchido, que o torna visível. Apesar de se submeter a um dispositivo maquínico, ela oferece uma imagem desse percurso ao se referir a “um piloto de avião que se desloca em rotas” e expressar a opinião de que “quem tem experiência espacial é, com certeza, o controlador de vôo, não o piloto”.

Os dispositivos espaciais de Marcia configurados em obra aberta, sob coordenadas ambientais, englobam a experiência do visitante, introduzido em seu interior e já não comportam a separação entre dentro e fora. As instalações de Marcia tiram proveito de vetores e de direções e assumem uma linguagem multidimensional de natureza escultórica que encontra nexos no sítio em que atua e vai se introduzindo cada vez mais em questões ambientais e especificidades locais3. 

Corpo de prova, de 2017, é uma resposta dada por aproximação direta aos estímulos da contemporaneidade arquitetônica brasileira. A ação realizada no Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia defronta-se com o território da escultura, pensado por Paulo Mendes da Rocha. O museu é obra exemplar, construída em pequena extensão de frente para duas ruas, que dá franca visibilidade aos limites do lote em um recorte no bairro dos Jardins. Impõe-se o potencial multiplicador do espaço aberto, no qual o arquiteto, tirando proveito do solo em desnível, edifica o museu distribuído sob diferentes patamares. Nas palavras do autor: o edifício nascia como uma “pedra no céu”, figurando o ato inaugural da cobertura de concreto protendido de sessenta metros de comprimento, que flutua sobre o terreno. A marquise que baliza o projeto no horizonte da avenida Europa é primordial na estruturação do espaço do museu em vários patamares, com cota baixa no fundo do terreno. A plenitude estética do projeto de Paulo abrange, por si, o universo da escultura contemporânea e convida a apropriações espaciais em reciprocidade.

Marcia atua diretamente sobre a marquise, sem antecipar algum desenho prévio. Parte para o corpo a corpo local. Tateia o volume do bloco suspenso de concreto, que é agarrado pelo encaixe de sargentos, em que se instalam roldanas, pelas quais vão passar cabos de aço – readymades que compõem a obra, trazidos de lojas de material para construção.

Marcia veste o volume suspenso para desnudá-lo sob outra perspectiva. Atenta à materialidade do bloco, quer mostrá-lo como ente subordinado ao equilíbrio de forças e tocar sua gravitação, por meio do ordenamento de cabos de aço, dispostos conforme as diferentes alturas dos vãos livres. Ela acrescenta que “os lastros feitos com material procedente da demolição de lajes de concreto, não passam de lajes mortas. E que deles retirou pequenos cilindros para atuarem como corpos de prova”. Os cabos de aço unem lastros de concreto aos corpos de prova, e “quando o corpo de prova é suspenso através do deslocamento (horizontal) de um lastro, ele passa a funcionar como o de prumo na vertical”. Uma conversa geométrica que potencializa os esforços do Mube.

Corpo de prova introjeta longo arco de esforço humano. Conecta saberes, subentende forças mecânicas e aspectos contingentes da atividade construtiva. Convoca dispositivos concernentes à construção, fala de coisas de um mundo que se constrói e se desconstrói. Mais uma vez, Marcia toca a materialidade do que está diante de nós, em busca de um interior que se exterioriza.

Cada vez mais, as operações realizadas por Marcia são fundadas no lugar em que a obra nasce e em condições materiais disponíveis ali mesmo. É o que ocorre ao erguer duas novas colunas na sala central da Estação Pinacoteca, também chamada de “sala das colunas”, por conter uma sequência delas, que constituem forte imperativo para a decisão dos artistas contemporâneos que levam trabalhos ao local.

Que colunas são essas que ela nomeia Osso? Pois bem, querendo estabilizar uma linha vertical e mantê-la pressionada entre piso e teto, Marcia prospecta segredos das vigas de sustentação e busca desvendar a estrutura de forças que garante a verticalidade e o equilíbrio das hastes destinadas a comprimir placas horizontais de gesso em suspensão. Atinge o desvão do edifício – palavra que se aplica ao buraco entre o telhado e o forro.

As frestas abertas no forro pela retirada da superfície vão dimensionar as placas, que serão pressionadas pelas hastes. Elas são as mesmas usadas na construção civil para escorar lajes de concreto recém-fundidas. O vão descortina a viga, no ponto superior da vertical pressionada nos dois sentidos e revela a estrutura de forças do edifício.

Osso é o nome que ela atribui à obra. Associa-se, por um lado, ao esqueleto da construção (termo usado pelos arquitetos modernos) e, por outro, à memória do edifício. Ao estender sua prospecção à história e à vida do edifício que abriga a Estação Pinacoteca, a artista é levada a indagar sobre marcas e resíduos do antigo Departamento de Ordem Política e Social (DEOPS), de triste memória, que funcionava no edifício onde hoje ela expõe. O DEOPS era um órgão de repressão no período de 1964 a 1983, durante a ditadura militar. Em 2008, instalou-se no prédio o Memorial de Resistência, que ocupa parte do edifício onde está a Estação Pinacoteca4.

Marcia atualiza o universo de trabalho do escultor que opera em relação às características físicas dos materiais – peso, tamanho, resistência – ao encenar um jogo de forças contrárias, estando em disputa vencer a imobilidade das massas cúbicas. Em Linhas de força (2018–2019), lança mão de cintas de lona padronizadas para amarrar volumes e de guinchos capazes de puxar cabos de aço  para enfrentar peso e a resistência ao deslocamento dos blocos de gesso fundido. Diante do observador, restam as marcas do enfrentamento e as impressões deixadas por rastros no piso.

Mais uma vez, Marcia alude ao embate de forças por meio de coisas impregnadas pelo mundo. Vale-se de soluções encontradas na esfera do trabalho, no esforço de construção. Podem aparentar inicialmente certa aspereza, quando inscritas no espaço de percepção artística de um museu. E para isso, ali se encontram. Os procedimentos encontrados para realizar Linhas de força supõem a apropriação pela artista de códigos praticados em serviços de carga pesada, como as cintas de arraste cujas cores e listras de nem a capacidade de mover diferentes pesos.

Em que medida, a artista ultrapassa o jogo confinado nele mesmo? O azul da cinta é a única cor trazida ao âmbito da mostra e, como se pode notar, ela advém menos de uma escolha estética do que de um código de uso desse equipamento de trabalho. A obra lembra que o treinamento
dos sentidos da visão, do tato e da audição é exercido na vida diária do homem comum e que a cultura visual comporta padrões de organização social desenvolvidos no trabalho. Não surpreende que estivadores venham adquirir capacidade de discriminar o peso de um volume pelo olhar e lancem mão rapidamente de códigos visuais para desempenhar suas tarefas.

Tais sentidos fazem pensar sobre o alcance da percepção, sobre a progressiva dotação do organismo humano em interação com o ambiente e sobre a capacidade de discriminar esteticamente uma forma e outra. Afinal, existem sutilezas, mesmo no limite do esforço físico. Força mecânica, cordas e roldanas nos transportam ao longo curso do trabalho que remonta ao tempo anterior à máquina a vapor e à Revolução Industrial, à fabricação da peça de metal.

A mostra da Pinacoteca coloca em foco o resultado pontual obtido em trabalhos manejados em pequeno formato, nos quais o gesso compactado preenche interstícios entre aros de aço, 1989- 2019. É o caso de trabalhos recentes como Beijo, 2018, estalado por tijolos que comprimem o gesso e Corpo de prova (granito), 2019, granito, ferro, roldana, cabo de aço, porcas e parafusos.

A linha de horizonte é um fenômeno intangível. Pode ser percebida pela visão à distância. Linha-d’água é o nome do dispositivo espacial feito para dar corpo à horizontalidade, capturá-la, torná-la presente e tangível. O paradoxo de uma linha de horizonte instalada no interior da Pinacoteca é armado por meio de sucessivos sargentos5 dispostos contra a parede. Entre a garra fixa e a outra ajustável, eles pressionam tubos de acrílico, alinhados por cima e desalinhados por baixo. A água colocada nesses recipientes mantém o alinhamento, desenhando uma linha horizontal no conjunto. Para Marcia, aproximar é fazer desaparecer a distância, para o que concorre também o efeito de lente adquirido pelo recipiente.

Finalmente, cabe menção à experiência estética de Marcia em escala ambiental, a obra Transposição, 2018–2019, Mairinque. Em um terreno entre a cidade e o campo, vai surgindo a obra em processo, patrocinada pela Fundação Marcos Amaro. Marcia cria, definitivamente, um lugar, ao marcar um território vazio suburbano que pode estimular e qualificar o deslocamento de pessoas para fora da cidade. Está sendo realizada na costumeira economia de produção adotada pela artista, que aproveita recursos disponíveis no próprio local: taipa, terra e capim.

A topografia irregular do terreno escolhido para implantar a obra é propícia a um traçado que explora diferentes cotas. Além disso, permite a apreensão da obra sob diferentes distâncias, quadros e ângulos de visão do observador. Há certa naturalidade no modo de ela enfrentar o processo construtivo, transportando a terra de um lugar a outro, em uma sorte de terraplanagem, que escava e preenche o terreno. Outro recurso motivado no local é a ocupação, manipulando desníveis da paisagem pelo preenchimento de diferentes cotas da obra.

Ao mesmo tempo em que traça caminhos pelo território e transpõe a paisagem natural, Marcia se desloca do real ao virtual, ao se expressar em linguagem fílmica. O vídeo que introduz a presente exposição dilata sentidos para sua leitura.

A imagem virtual que abre a exposição apanha um momento existencial, a passagem de simples gestos marcando o tempo a cada bolinha lançada por Marcia sobre uma massa de partículas de pó de gesso. Assim, preenche tempo e espaço. Brinca. Tudo acontece de maneira espontânea, emergindo modos livres pelos quais o corpo em movimento interage com materiais, ao lado deles, e faz brotar obras, sem coagir resultados.

Acaso e brincadeira envolvem percepção e movimento corporal em três dimensões, enquanto a linguagem fílmica joga com a projeção em todas as direções e dimensões. E quando vemos a imagem transposta em vídeo na parede da Pinacoteca, em que o chão ocupa a parede, passamos a um universo paralelo: tão familiar quanto estranho, tão lúdico quanto agressivo.

  1. MORRIS, Robert. From Mnemo syneto Clio: The Mirrortothe Labyrinth (1998–1999–2000). Museé d’ArtContemporain, Lyon: Skira. p. 98.
  2. KRAUSS, Rosalind. L’originalité de l’avant-garde at autresmythesmodernistes. Tradução de Jean- Pierre Criqui. Paris: Ed. Macula, 1993.
  3. Nesse catálogo, Peso-contrapeso conta com texto de Fernanda Pitta, ao lado da atenção dedicada à obra Impressores, realizada em 2012.
  4. O edifício de tijolos vermelhos que abriga hoje a Estação Pinacoteca é uma obra sólida do arquiteto Ramos de Azevedo, concluída na segunda década do século XIX, originalmente destinada à Central Administrativa da Estação de Ferro Sorocabana e sofreu várias intervenções ao longo dos anos.
  5. O trabalho reaproveita componentes de obra desmontada realizada no Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia.

Read text by Ana Maria Belluzzo

Text originally written for the catalog “Marcia Pastore: Contracorpo”, whose exhibition of the same name was presented at Estação Pinacoteca from November 23, 2019 to June 1, 2020.
 

Marcia Pastore: Counterbody
Ana Maria Belluzzo curator
 

SPATIAL DEVICES PROPULSION GENERATED BY SUCCESSIVE COUNTERPARTS COUNTER-FORMS

In Marcia Pastore’s practice, installing a work is above all a response to the need to give spatial existence to works that are conceived gradually and then taken to inaugurate a place. The distribution of the weight of a simple rod between the floor and the wall is enough to demarcate a place, as shown by the untitled iron and graphite piece that was exhibited at the Museu de Arte Moderna de São Paulo in 1989. It is also at the root of Risco [Steak], consisting in a sequence of steel rods that extends in space by means of horizontal modulation, shown at the Central Gallery in 2013. It reappears in 2019 in a new edition which accords with the conditions offered by the exhibition room at Estação Pinacoteca.

In Marcia Pastore’s experience, the object’s transition into architectural space is marked by the spatial achievements of minimalist artists such as Donald Judd, with his floor-to-ceiling occupations, and Carl Andre extending his works from wall to wall. Robert Morris, an expert in the matter, thought that horizontality is ‘the space available to the body,’ since ‘we don’t easily move up, but instead out, across.’ He admitted that horizontality ‘is the vector of bodily movement that is least impeded, that requires the least effort.’ It’s the effortless movement experience of the human body, the displacement of the body, such as running and walking. According to him, ‘both visually and kinesthetically the horizontal, open expanse invites the secular impulse, the mundane beginning, the practical invitation’1.

The spatial formation of Marcia’s solutions is superimposed on the imagination that translates into words, so that, in general, her works do not need a title. After the fact, she uses generic names to indicate the members of a same family, which are named after the procedures involved: streaks, counter- weights, printers. For their organization, Marcia Pastore’s works receive their particular coordinates from the place. The artist avoids individuating them.

Since the 1990s, she prevents them from acquiring a self-supporting body and from resting on their own equilibrium. Propositions that have been thought out and matured step by step often result in pieces that can be disassembled and redefined at each new edition according to the place that receives them. They take on a provisional, transitory character and are already born with a tendency to survive by adjustments, t for a life of transitions from place to place. Although they often assume an unfinished aspect, they are revived at each new edition.

This sensitive organism has a capacity for self-transformation and for assuming diverse aspects in its temporal-spatial existence when shown in different premises. Marcia builds artworks made of articulated pieces, often from prefabricated components, which are easily adapted to different exhibition spaces. In her case, however, prefabricated components are not used to produce multiples, as one might hastily assume. Instead, they give rise to unique exemplars of each work. This flexibility is consistent with the event’s transformation at each new edition. Works that can be disassembled, that can disappear, have strong implications in the context of an exhibition like this, which brings together works from different dates.

Marcia’s pieces find a provisional stability when they are set up for an exhibition and set out on an environmental dimension. Capable of taking on different positions in the field, they are re-accommodated and changed in the exhibition context and reinterpreted at each new edition. Rosalind Krauss calls attention to cases in which ‘the need to surrender to the whole is weightier than the founding moment’2.

The fact that architecture brings together the efforts of sculpture, painting and industrial objects has generated a long and consistent chapter of historical modernity, which takes on peculiar aspects in the constructive trajectories of Brazilian contemporary artists and architects. Their works are well known among us and bear witness to the harsh conditions that intervene between the artifact and architecture
in our country. Let us see, then, how Marcia navigates this territory with a critical and ironical approach.

In 2010, Dobros [Doubles/Folds] emerges as a watershed in Marcia’s work, be it by exploring the event’s verticality and completely merging all components of architectural spatiality or by the increase in environmental scale. The artist places six large steel plates in a sequence between the ceiling and the floor, splitting in two a room at Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro. The plates are taller than the ceiling height of the room.

Once they are hung, they bend and take on a curved shape near the floor. Their verticality bars the way and prevents the human body from traversing from one side of the room to the other. Only the gaps left by the bending of the plates unveil to the observer the other side of the room.

Whilst enforcing the segregation of space, the effects brought about by the mirror-like curved surfaces give it a semblance of expansion. Mirroring is an illusionistic effect that distorts the perception of the of the empty space in which the spectator finds him or herself and relocates him or her into a parallel, changeable universe. Mirroring is the means used to reproduce the scenery’s components: it doubles, multiplies and distorts spatial dimensions. It recombines the room’s dimensions, reflects and transforms the magnitude of the bodies. Marcia multiplies sensations by introducing luminous and audible components by means of which the space reverberates in reflections of light and the installation rebounds the echo of sound vibrations.

The growing identification between the work and the place deepens the exploration of the limits between its intervention and the built environment. Marcia finds expansive solutions that project the work well beyond its mountings. At the same time, she tries to configure the ‘introduction of space into the work,’ which gives rise to an introvert piece titled Espaço Dobrado [Folded Space]. Developed by means of articulated segments of iron bars, it outlines a figure that seems not to t into the designated space. The updated work is presented at Pinacoteca.

Folded Space is a work originally conceived in 2010. Although I have not yet seen the final version, which will be mounted at Pinacoteca when this catalogue is ready, I wish to forward some considerations based on the three-dimensional record that hints at the elasticity of the space configured by the artwork, multiplying its inner potential and defusing the contrast between inward and outward in the participant’s experience.

The narrowing of the exhibition space dedicated to the work is a pre-requisite, a condition for the unfolding of this work, made up of articulated rods, in a reduced, intimate space, inside definite bounds. In general, Marcia’s works act upon the limits of the institutional space, but this proposal alludes to
the development of the work’s inner dimension and the inversion of the border between the inner and the outer.

Once the opposition between inside and outside is removed, the space folded inside the installation establishes an interdimensional synergy. It produces an image that is consistent with the relinquishment of rational standards of measurement and the emergence of an open environmental dimension from its very heart. It also hampers the physical movement of the passerby inside the work.

Marcia Pastore’s spatial devices emerge as challenges for which she must find a way out. Peso-Contrapeso [Weight- counterweight] is the name of the experience that occupied the headquarters of Galeria Funarte de Artes Visuais in São Paulo in 2009–10, due to which she was awarded the Prêmio Funarte de Arte Contemporânea. The work already showed a remarkable increase in the scale of its presentation and in the complexity which had to be taken on with no previous script. In the present show, at Pinacoteca, it is being reedited in a larger scale.

The system of weights and counterweights that defines the work makes use of steel cables which stretch across the room and run through two or more pulleys, being tensioned on both ends by two kinds of weights: iron rings and brass tubes of similar diameter, with variable lengths and weights, filled in with powdered marble. Each hanging tube corresponds to an iron ring of the same weight on the other end of the cable.

The work’s new setup at Pinacoteca calls for new calculations and has led Marcia do redefine brass tube dimensions to hang them in accordance with the strength of the building, its trusses and rafters. She accesses the museum’s structural elements by cutting into the plaster ceiling of the exhibition room. She also uses pulleys as elements that potentialize three-dimensional space, relying on dozens of them, hanging from canvas belts, to ‘magnetize space and potentialize the use of architectural planes in the construction of the work,’ in her own words.

The work takes shape in the act of its being installed and on the basis of the components’ strength and the direction of vectors as Marcia randomly traverses the exhibition space. Her performance consists in mounting those cogs and in her three-dimensional experience of the space to be occupied, which makes space visible. Although she surrenders to a mechanical device, she compares that trajectory to that of ‘an airplane pilot that moves in airways,’ and voices the view that ‘the one who has spatial experience is not the pilot, but the flight controller’.

Marcia’s spatial devices, set up in open works under the determination of environmental coordinates, encompass the experience of the visitor who has been introduced inside them and resist a separation between inside and outside. Marcia’s installations make use of vectors and directions and take on a multidimensional sculptural language that finds connections in the site whereupon it acts, concerning itself more and more with environmental questions and local specificities3.

Corpo de prova [Specimen], in 2017, is a response, by literal juxtaposition, to the stimuli of Brazilian contemporary architecture. Its mounting at the Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia (Mube) faces the sculptural territory thought out by Paulo Mendes da Rocha. The museum is an exemplary work, built in a small corner lot which gives frank visibility to its own limits in a section of the elegant Jardins neighborhood. The multiplying potential of open space asserts itself; the architect, making the most of the sloping ground, erects the museum on different plateaus. In the author’s own words, the building was born as ‘a stone in heaven,’ in a reference to the founding act of the 60-meter pre-stressed concrete roof that hovers over the lot. The roof that serves as a signature for the project on the horizons of Avenida Europa plays a foremost part in structuring the space of the museum in several levels, with a low elevation on the ground floor. The aesthetic fulness of Paulo’s project encompasses, by itself, the universe of contemporary sculpture and invites to reciprocal spatial appropriations.

Marcia acts directly upon the roof with no anticipatory drawing. She engages in a direct scuffle e with the place and probes the volume of the concrete slab, which is grabbed by clamps holding pulleys around which steel cables are set – ready-mades assimilated into the work directly from the hardware store.

Marcia clothes the hanging volume only to unclothe it from another perspective. She pays attention to the slab’s materiality and wants to show it as subordinate to the balance of forces; she wants to touch its gravitation by means of a framework of steel cables arranged according to the different heights of the free span. She adds: ‘ballasts made with material from the demolition of concrete slabs are no more than dead slabs.’ And she removed small cylinders from them to act as specimens. The steel cables tie specimens to concrete ballasts; ‘when the specimen is suspended by the (horizontal) displacement of a ballast, it functions as a vertical plumb line.’ This is a geometrical conversation that potentializes the interplay of forces at the Mube.

Specimen introjects a long arch of human effort. It connects know-hows, implies mechanical forces and contingent aspects of the constructive activity. It summons construction-related devices and talks about the things of a world that builds and unbuilds itself. Marcia once again touches the materiality of what is in front of us in her quest for an inside that externalizes itself.

More and more, Marcia’s operations occur in the very place where the work is born and submit to the available material conditions. This is what happened when two new columns were erected at the central hall in Estação Pinacoteca, usually called ‘columns’ hall’ due to the sequence of columns found therein, which constitute a strong imperative that conditions decisions made by contemporary artists whose work is show there.

What are those columns which she calls Osso [Bone]? Marcia wants to establish a vertical line and keep it pressured between floor and ceiling, so she prospects for the secrets of the supporting girders and tries to uncover the structure of forces that ensures the balance and verticality of the rods which compress suspended horizontal slabs of plaster. She reaches the building’s attic – a word that designates the space between the ceiling and the roof.

The holes opened on the ceiling due to its surface having been removed determine the dimensions of the plaster slabs which will be pressured by the rods. These rods are those used in civil construction to shore up concrete slabs when they’re poured. The opening lets us see the beam at the highest point of the vertical which undergoes pressure on both sides and reveals the building’s structure of forces.

Bone is the name she gives to the work. It is associated on the one hand with the building’s skeleton (a term used by modern architects) and, on the other, with the building’s memory. Extending her prospection also to the life history of the building that houses Estação Pinacoteca, Marcia is led to reflect on the marks and remnants of the old DEOPS, the Political and Social Order Department that acted as an agency of repression from 1964 to 1983, during the military dictatorship. It used to function at the place than in 2008 came to house the Memorial da Resistência, which takes up part of the building where Estação Pinacoteca is located4.

Marcia actualizes the working universe of the sculptor who deals with the physical properties of materials – weight, size, strength – by staging a play of opposing forces, disputing to overcome the immobility of cubic masses. She uses standardized belts to bind volumes and uses winches to pull steel cables in Linhas de força [Lines of Force], 2018–19, in order to face the weight and resistance of the cast plaster slabs. What is left before the spectator are the marks of the struggle and the impressions left behind by tracks on the floor.

Marcia once again alludes to the clash of forces by means of things impregnated by the world. She avails herself of solutions found in the realm of work and in the effort of construction. When first inscribed in a museum’s space of artistic perception, they might look rather harsh, and that is the reason why they are there. The procedures by means of which she creates Lines of Force assume the artist’s appropriation of the particular codes of heavy work, such as belts with different colors and stripes that de ne the amount of weight they are able to bear and lift.

In what measure does she go beyond a self-confined game? The blue seen in the belts is the only color brought into the show, and that, as one can notice, is not really due to an aesthetic choice, but rather to a code related to this specific piece of hardware. The work reminds us that training the senses of vision, touch and hearing is a part of the common man’s daily life, and that visual culture assimilates social organizational codes developed in the realm of manual work. It is not surprising that longshoremen can determine the weight of a volume by just looking at it and are quickly able to make use of visual codes to go about their jobs.

They make us think about the scope of perception, about how the human organism develops in an interaction with its environment and about the ability to make aesthetic distinctions between forms. There are, after all, subtleties, even within the bounds of physical effort. Mechanical forces, ropes and pulleys take us along a course of work that harks back to a time before the steam machine and industrial production had made their appearance, before the manufacture of metal parts. Pinacoteca’s exhibition brings into focus the specific result obtained in small- format works in which compacted plaster fills in the interstices of steel rings, 1989–2019. It does the same for recent works such as Beijo [Kiss], 2018, made of bricks that compress plaster, and Corpo de prova (granito) [Specimen (Granite)], 2019, in which granite, iron, pulley, steel cable, nuts and bolts are found.

The line of the horizon is an intangible phenomenon which can be perceived by distant vision. Linha-d’água [Water Line] is the name of the spatial device made to embody horizontality, to capture it and make it present, to give it tangibility. The paradox of a horizon installed inside Pinacoteca is set up by means of a succession of clamps5 hung up against the wall. The clamps hold acrylic tubes aligned on their upper end and unaligned below. The water placed inside those containers underscores the alignment, drawing a horizontal line. For Marcia, to bring near is to make distance disappear. This is also confirmed by the lens effect caused by the containers.

Lastly, one should mention Marcia’s aesthetic experience in an environmental scale: Transposição [Transposition], set up in Mairinque, 2018–19. In a large lot between the city and the countryside, the work emerges step by step, in a process sponsored by the Fundação Marcos Amaro. Marcia definitely creates a place when she demarcates an empty suburban territory that can stimulate and describe the movement of people away from the city. The work is being realized according to Marcia’s usual production economy, as she makes use of the resources that can be found at the site itself: adobe, earth and grass.

The irregular topography of the lot favors a layout that explores different elevations of the terrain and allows for the work to be seen at different distances and in several framings and angles of vision. There is a certain unaffectedness in the way she faces the construction process – transporting earth from one place to another, in a kind of earthwork that excavates and embanks the terrain. Another locally-motivated resource is the occupation of the terrain, which manipulates the different heights of the scenery by filling in different elevations of the work.

While Marcia plots a way through the territory and traverses the natural landscape, she moves from the real to the virtual in expressing herself through the language of film. The video that introduces the present exhibition, broadens the meanings of its interpretation.

The virtual image that opens up the exhibition captures an existential moment, the transit of simple gestures that leave their imprint on time… at each small ball thrown by Marcia on the mass of plaster powder. In this way, it fills out time and space; it plays. Everything happens spontaneously, emerging in free mode: the moving body interacts with materials, standing with them, and makes works spring up without pre-intended results.

Chance and play involve perception and three-dimensional bodily movement, while the language of film plays with projection in all directions and dimensions. When we see the image transposed into film on the wall of Pinacoteca, when the floor thus occupies the wall, we move into a parallel universe – as familiar as it is strange, as playful as it is aggressive.

  1. Morris, Robert. From Mnemosyne to Clio:
    The Mirror to the Labyrinth (1998–1999–2000)
    . Museé d’Art Contemporain, Lyon, Skira, p. 98.
  2. Krauss, Rosalind. L’originalité de l’avant-garde at autres mythes modernistes. Translation: Jean-Pierre Criqui. Paris: Ed. Macula, 1993.
  3. In this catalogue, Weight-Counterweight is accompanied by a presentation by Fernanda Pitta, who also addresses the piece Printers (2012).
  4. The red brick building that houses Estação Pinacoteca is a solid work by architect Ramos de Azevedo, completed in the second decade of the 20th century, when it used to house the Administrative Section of Sorocabana Railways. Afterwards, it suffered several interventions.
  5. This piece reutilizes components taken from the disassembled works that had been installed at the Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia.