Cultuado e mistificado, o corpo humano aparece, na contemporaneidade, como lugar de ambivalências: ele é, ao mesmo tempo, familiar e estranho, hiperexposto e oculto,devassado e misterioso, valorizado e rejeitado. Some-se a isto, outro culto contemporâneo, aquele dedicado à velocidade, ao imediato, ao tempo acelerado e urbano, da tecnologia e do descartável. Neste contexto, a obra de Marcia Pastore procura pensar o corpo por meio das marcas de seus gestos, colocando-o em contato com a duração, o registro, a memória, indagando sobre a (im)possibilidade de sua permanência, seus desdobramentos e a qualidade de sua presença no mundo.
Para tratar dessas questões nesta exposição, a artista coloca colunas de voil repletas de gesso em pó espalhados no espaço. Presas a cabos de aço e polias, realizam um balé estático de formas e fragmentos tensionados num jogo de força e equilíbrio de contornos e volumes. As figuras de gesso brancas e cilíndricas insinuam pequenos gestos e movimentos congelados. As dobras formadas nas pontas das peças evocam panejamentos próprios da pintura clássica; sua leveza contrasta com o peso e a opacidade da base e do corpo propriamente dito. O precário equilíbrio é traído em alguns momentos pela descoberta de peças que rastejam no espaço em busca, quem sabe, da dignidade da posição vertical. A partir de ações que conformam o balé e os figurantes – cortar, costurar, deslocar, arrastar, prender, amarrar –, a artista constrói um diálogo entre obra e espaço, no qual ambos se interpenetram e se indagam mutuamente.
Tania Rivitti