peso-contrapeso

2011 | 2012

roldanas, cabo de aço, presilhas, cintas de lona, tubos de latão, abraçadeiras, couro, pó de mármore, anilhas de ferro, lâmpada

Prêmio Funarte de Arte Contemporânea – Galerias Funarte de Artes Visuais, São Paulo

 

Leia texto de Nelson Brissac

Peso – contrapeso

Uma traquitana se distribui pela sala, ocupando-a por completo. Marcia Pastore criou um dispositivo de peso e contrapeso, constituído por tubos suspensos verticalmente por cabos de aço atados a anilhas de ferro colocadas no chão. Uma grande máquina simples, um artefato mecânico do tamanho do mundo.

O dispositivo é constituído por tubos de latão (de 2 ½ polegadas), de diferentes comprimentos (de 50 cm a 3,5 m), cheios de pó de mármore. O pó, solto no interior dos tubos, é contido embaixo por um recorte de couro fixado por uma abraçadeira metálica. Os tubos são suspensos por cabos de aço (de 1/8 polegadas), que passam por roldanas fixadas nas paredes e presas nas vigas do teto por uma cinta de lona. Esses elementos são mantidos na vertical, a diferentes distâncias do chão, por anilhas de ferro fundido, de diferentes pesos (de 2 a 20 kg). O contrapeso tensiona os cabos, mantendo os tubos em posição. A maquinaria toda é formada por 30 tubos, sustentados por 715 kg de peso e 500 m de cabos de aço.

Considerando a estrutura ortogonal da sala, as roldanas são fixadas em fileiras horizontais, em três alturas diferentes, dividindo proporcionalmente as paredes. O dispositivo incorpora as características estruturais, os elementos arquitetônicos do espaço. Vigas, tesouras, paredes, o formato e a dimensão da sala passam a fazer parte do trabalho. Não há a construção de uma cenografia neutra para a instalação do mecanismo. Aqui as roldanas são penduradas por cintas no vigamento do teto da sala, em outro lugar elas seriam fixadas de o modo distinto. Em cada situação o dispositivo tem de ser armado com elementos diferentes e opera de diferentes maneiras.

Os tubos, de diferentes comprimentos, são suspensos a diferentes alturas do chão, como notas numa partitura. Distribuídos na sala, eles reverberam por todo o espaço, atribuindo-lhe um ritmo, fazendo-o vibrar. O dispositivo é musical.

A aparência instrumental do dispositivo de sustentação é contrastada pela extrema precisão do acabamento. A presilha com que os cabos são atados, a braçadeira que prende no tubo o recorte de couro que contém o pó de mármore, tudo evidencia o ajuste perfeito dos elementos, a sintonia fina da composição.

Não se trata de um mecanismo convencional, em que os diferentes componentes se integram no conjunto. Aqui se agenciam elementos díspares, provenientes de diferentes sistemas mecânicos, configurando um novo arranjo operacional. Materiais e objetos heterogêneos, aparentemente incongruentes, como tubos de latão, pó de mármore, couro e anéis de ferro compõem um agenciamento inusitado, não previsto nas finalidades funcionais para as quais foram fabricados.

Os cabos, passando pelas roldanas fixadas nas paredes e nas tesouras do teto, cruzam o espaço em todas as direções, formando um emaranhado indevassável. É impossível se deslocar pelo lugar sem se esquivar constantemente dos obstáculos, é difícil seguir com o olhar a trajetória de cada cabo, dos tubos aos contrapesos que os mantém suspensos.

Ao contrário da arquitetura, que distribui suas cargas através de barras, vigas e colunas, perfeitamente identificáveis na edificação, aqui não se consegue ver com clareza o caminho das forças. Enquanto que uma balança torna evidente o que equilibra o peso, pois essa é a função de um aparelho de medida, este dispositivo engendra, paradoxalmente, um enigma da elevação. O que mantém esses tubos no ar?

A relação entre peso e contrapeso, a linha de pressão entre os tubos e seus respectivos aros de ferro, não é evidente. É difícil ver, no emaranhado de cabos, o que está sustentando cada um dos tubos. Dado que o dispositivo oculta o que balanceia os tubos, eles parecem não ter peso. É como se levitassem no ar, desafiando a gravidade.

 

Nelson Brissac